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Afinal de contas, toda adaptação é uma merda? Parte II

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Eu adapto, tu adaptas, ele adapta. Se todo mundo faz, então tem que ter coisa boa no meio, né?



Entonce, post passado ensaiei um pouco sobre alguns aspectos das adaptações, aspectos imanentes à qualquer adaptação (que se pretenda levar a sério, óbvio). Como prometido, neste post citarei algumas adaptações que valem a pena ser conferidas. Porém, vou evitar ao máximo a farofada óbvia, então não esperem que eu cite A Sociedade do Anel, que é tão chato quanto o livro que deu origem.
Ratinhoooooooo

Antes porém de dar prosseguimento na proposta, quero tratar de uma diferenciação que não estava nos meus planos originais fazer, mas que surgiu espontaneamente nos comentários do post anterior, de modos que penso, pode ser bacana abordar rapidamente aqui - a diferença entre uma obra que é uma adaptação de outra para uma baseada em outra. Pra não tomar tempo demais, vou sacar logo um exemplo e tal, pra não ficar de muito guéri-guéri.



A galera nem tão nova aí, há de se lembrar que nos anos 90 tínhamos duas séries de Tv, de muita qualidade, sendo exibidas na Rede GRobo: A vida como ela é e Comédias da vida privada, ambas originadas em obras literárias (os contos de Nelson Rodrigues e de Luís Fernando Veríssimo, respectivamente). Ambas as séries eram contemporâneas, mas tinham uma diferença estrutural de concepção: enquanto A vida como ela é encenava os contos de Nelson Rodrigues, Comédias da vida privada pinçava um trecho ou outro das crônicas de Veríssimo para compor os episódios, muitas vezes tirando enxertos de textos diferentes para criar um mesmo episódio. Ou seja: enquanto o trabalho do velho Nelson foi adaptado para as telinhas (e bem antes delas, para o teatro e o cinema), o Comédias... era apenas baseado nos textos de Fernando Veríssimo. Há um rigor acerca da trama original na adaptação de Nelson Rodrigues (de A dama do lotação até hoje tenho boas recordações da Maitê Proença no papel título por exemplo), uma vez atendida aquela diferenciação de linguagem que eu falei antes. O mesmo não acontecia com Comédias... que, até por ter o próprio autor entre o grupo de roteiristas, fazia uma leitura televisiva mais... livre do material original.



Aproveitando que falei do Luís Fernando Veríssimo, há dele um outro caso digno de nota para essa diferenciação: o personagem Ed Mort. Surgido no livro Ed Mort e outras histórias, de 1979, o personagem foi adaptado para tirinhas de jornal pelo próprio autor, com Miguel Paiva (de Radical Chic) nos desenhos em 1980. Muito depois, em 1997, a primeira história publicada nas tiras (Procurando o Silva) serviu de base para um longa metragem, chamado apenas Ed Mort, com Paulo Betti no papel principal e dirigido por Alain Fresnot. Captaram o lance? É isso aí.

Justamente por isso, nenhum filme de super-herói foi sequer cogitado para participar deste post - exceto por Watchmen e animações recentes da DC, todos eles são baseados em personagens de HQ, e não em adaptações de histórias específicas (como é o caso de 300 e V de Vingança, por exemplo).

Cortando os entretantos e indo direto aos finalmentes, vamos a três adaptações que realmente valem a pena serem conferidas!

Persépolis (HQ -> Filme)r>

Caras, foi com muito entusiasmo que, fazendo uma disciplina sobre literatura e feminismo na faculdade, corri para escolher a graphic novel Persépolis entre as obras sugeridas para ser o tema do meu trabalho final. Eu nunca tinha lido uma página que fosse da HQ, mas, porra, era uma HQ! Ia ser barbada não?
Publicada em quatro volumes na França entre 2000 e 2004, Persépolis narra a história, autobiográfica, da menina iraniana que foi Marjane Satrapi. A dureza da vida em meio às inúmeras e contínuas guerras que assolavam (e assolam) o país, as dificuldades impostas pelo Islã e sua ditadura dos costumes, a vida de refugiada na Europa - com a imensa dificuldade de encarnar todo o estereótipo do estranho, do estrangeiro completo; o retorno para a casa e seu posterior abandono definitivo. Enfim, Persépolis tinha tudo para ser uma grande HQ. Mas não é.



Por mais que a história que Marjane quer contar seja interessantíssima, a forma como ela conta é precária. Seus desenhos são infantis (no pior sentido), sua noção de enquadramento e narrativa são risíveis. Nada funciona, e a precariedade da parte artística deprecia o roteiro. Sei que para nós, sobreviventes dos quadrinhos de super-heróis dos anos 90, dizer que uma arte ruim estragou um roteiro bom soa heresia mas... acontece.
Para minha sorte, o trabalho acadêmico acabou me levando a assistir ao longa-metragem animado que adaptava a HQ. E...


A animação é ducacete! "Fluidificada", a arte tosca de Marjane deixa de ser precária para se tornar simples. A estilização extrema do traço dela (que na HQ não é estilização, mas pouca competência mesmo) encontra o palco perfeito como desenho animado. Até passagens que no quadrinho tentam emocionar (mas sem sucesso), como a morte do Tio Anuch e a relação fantasiosa da menina com Deus conseguem realmente emocionar no longa. Mais que isso: o chapado da arte original (a HQ é em preto e branco) ganha vida na tela - muitas vezes deixa de ser simples preto & branco para se tornar luz & sombra, o que faz muita diferença. A cena em que ela, menina ainda, é parada pelas fiscais femininas da "revolução" na rua, fica sensacional na animação, com os véus das fiscais transformando-as em verdadeiros fantasmas, a encarnação fantasmática daquela revolução falida - na HQ elas parecem apenas uns borrões pretos com carinhas...



No fim das contas, Persépolis, a adaptação, consegue aquilo que muita gente julga impossível: ser melhor e mais agradável do que o original....



Foi apenas um sonho (Revolutionary Road, Livro -> Filme)



Boas adaptações de livros para o cinema existem aos montes - seria uma ingenuidade querer citá-las todas. Sendo assim, escolhi falar de uma que me tocou particularmente: Foi apenas um sonho.
Lançado em 2008, o filme estrelado por Kate Winslet e Leonardo diCaprio, foi dirigido por Sam Mendes, e foi indicado a prêmios importantes do cinema, como o Globo de Ouro, o BAFTA e, claro, o Oscar. Porém, o filme sofreu com uma percepção preguiçosa da imprensa e do público - tudo o que se dizia dele na época era que se tratava da mais nova empreitada da dobradinha diCaprio/Winslet, que fizera um sucessão danado dez anos antes com o melado Titanic. O problema é que Foi apenas um sonho é muito, mas muito mais que isso.



Baseado no drama escrito por Richard Yates e publicado em 1961, Revolutionary Road (o título original faz muito mais sentido do que sua versão brasiliana) narra a história de um jovem casal norte-americano dos anos 50. Aquela típica família feliz de tantos filmes e séries: papai trabalhando fora num imenso escritório, mamãe cuidando das crianças e do lar perfeito, com cerquinhas brancas e tudo, num subúrbio. A questão é que, por mais perfeito que isso soe, Yates se preocupa em mostrar o preço dessa perfeição - e vai por mim, é um preço filho da puta a ser pago.
Na adaptação, Sam Mendes (que já tinha um currículo foda à época, com Beleza Americana, de 1999; Soldado Anônimo, de 2005 e Estrada para a Perdição, de 2002 - este uma adaptação das HQ's) capta com maestria o clima que Yates impõe e o traduz para a telona, não na forma de diálogos e narrações melancólicas em off (o que seria de se esperar numa mera transcrição), mas usando da luz, do elenco de primeira, dos ângulos de câmera... Eu primeiro vi o filme e, atraído, fui ler a obra original. Obviedade das obviedades, há muita coisa, muitos diálogos e situações que não estão presentes no filme, mas o trabalho de adaptação de Mendes é tão bom que ler a obra é como se deparar com uma "versão estendida" do filme. Coisa de primeira.
Enfim, Foi apenas um sonho (o filme) é uma adaptação tão boa quanto o livro de origem.



Tintim (HQ -> Série animada de Tv)



Para encerrar (que o post já ficou grande pra dedéu) deixei o mais polêmico para o final.
Até muito recentemente, Tintim era uma daquelas obras que todo mundo elogiava, falava bem, mas nunca tinha lido. Era bem comum ouvirmos frases como "um clássico da linha-clara", "um quadrinho europeu de primeira" e coisa e tal. Na maioria das vezes esses comentários, emitidos em rodas de entendidos para não parecer um bobão alienado, eram proferidos, se tanto, por gente que só conhecia a adaptação para a Tv, uma produção franco-canadense dirigida por Stéphane Bernasconi e lançada em 1991.
A verdade é que, para os frequentadores do metiê quadrinhistíco, dizer que se desconhecia os álbuns de Hergé, ou pior, dizer que não gosta deles é uma heresia. Mas essa dificuldade de leitura, principalmente para nós brasileiros, só foi suprida recentemente quando a Cia das Letras lançou aqui na terra brazilis os álbuns belgas.
Agora, a real, mas a real mesmo, é que se as pessoas fossem menos bunda-moles, elas poderiam assumir que só viram o desenho animado (que passava na Tv Cultura) e que achavam Tintim muito foda justamente por causa do desenho. Sabe por que? Porque o desenho é sensacional!

Com uma equipe de produção feroz, os estúdios Ellipse Programmé (França) e Nelvana (Canadá) fizeram um trabalho incrível, fiel ao original (palmas aos roteiristas e a Philippe Goddin, especialista na obra do Hergé e que serviu como consultor) mas que conseguiu dar "um grau" no lance. Veja bem: os gibis de Tintim são bacanas? São. Mas o desenho é excelente. E a comparação entre HQ original e adaptação acaba indo pro mesmo lado do caso Persépolis.



Não estou dizendo que o estilo gráfico de Hergé era ruim e foi melhorado na animação, longe de mim: o estilo linha-clara do belga é realmente fodão, bonito e simples de se ver. O problema é que, escrevendo, Hergé era um tanto quanto repetitivo (principalmente nas piadas) e previsível. A impressão que se tem da leitura é que Hergé sabia onde queria chegar, abria um monte de pontas de trabalho, mas ficava com alguma preguiça no caminho e saia fechando tudo rápido, de maneira besta e que, nos quadrinhos, soa chata. Há cacoetes nas HQ's que só encontraram uso satisfatório... nos desenhos animados! Muitas piadas gordoeomagro style que cansam quando usadas num meio "imóvel" como os quadrinhos, fazem rir na agitação do desenho animado.
Isso quer dizer que a leitura do quadrinho não vale a pena? Não, tá maluco? Vale a leitura justamente como "obra prévia": lá já estão, em estado embrionário e quase despercebidas, situações e idéias que só iriam nascer de forma plena no desenho animado. Como se o segundo fosse a evolução natural, digna e respeitosa, do primeiro.

***


E aí, geral? Gostaram? Coloquem aí nos comentários suas impressões, seus exemplos de boas adaptações. Não se limitem aos quadrinhos ou ao cinema, deixem o barco correr solto!
E para aqueles que não gostaram, nosso amigo, o elegante Zack Snyder, explica o que é uma boa adaptação. Com certeza vocês hão de concordar com ele!



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