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A gente lemos: Sabor Brasilis

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Nunca antes na história deste país eu acreditaria que ia ficar tão na pilha pra ler uma HQ sobre… novela!

Tudo começou no último FIQ, quando alguém (acho que foi o Hector Lima) me entregou um teaserzinho de uma nova HQ que estava sendo produzida, Sabor Brasilis. Esse teaser (que você pode ler aqui) narrava a história de uma mulher, Olívia que, sendo amante e estando grávida do chefe, está com seus dias contados. Um grupo de cinco misteriosas pessoas planejava como dar cabo da garota e de suas ambições. Seriam os Iluminatti? Alguns dissidentes das treze famílias sanguíneas que fundaram a América? Não senhor, nada tão ridículo! Os cinco algozes de Olívia (Antônio Callado, Matheus, Helena, Zulu e Lauro) não passam de… roteiristas de televisão, pois Olívia é apenas uma personagem da novela das oito duma certa emissora brasileira!

E é sobre isso que Sabor Brasilis, o álbum, supostamente versa – os obscuros bastidores da criação de uma novela das oito de sucesso, a Sabor Brasilis.

Hector Lima e Pablo Casado (os roteiristas) nos conduzem pelos bastidores (e os bastidores dos bastidores) de uma das produções culturais que praticamente é marca da sociedade brasileira, a telenovela. As intrigas, os jogos de poder, as emoções que evoca na população, tudo isso aparece na trama de maneira muito clara, muito crível, muito reconhecível.

Inclusive, faço gancho para puxar já meu maior elogio ao álbum: Lima e Casado atingem na veia uma das coisas que mais me incomoda em produções culturais em geral no Brasil, sejam novelas, livros, HQ’s, cinema: os diálogos duros. Ao contrário da imensa maioria dessas produções que falei, a dupla nos entrega diálogos altamente naturais, onde cada personagem, vindo de nichos culturais (a gente poderia dizer “tribos”?) diferentes, tem uma “voz” diferente. Não há aquele formalismo que se vê por aí, aquele clichê, que ora pende para um vocabulário tão arcaico que não faz eco no leitor de 2013, ora pende para um coloquialismo exagerado, falso. Em Sabor Brasilis os personagens parecem (e falam como) pessoas de verdade.

Esses diálogos, leves e naturais, casam perfeitamente com a trama, que conserva em si vários elementos de uma típica telenovela: há traição, desejos de vingança, jovens sonhadores, finais felizes. Talvez, por ser uma trama com elementos tão cotidianos (mas bem trabalhados) que gera a sensação de que Sabor Brasilis, o álbum, é algo autêntico e, pasmem, inovador justamente por isso. É como se você se perguntasse, ao terminar de ler: cara, porque ninguém pensou nisso antes? No fim, os caras acabam fazendo uma HQ genuinamente brasileira, com um tema genuinamente brasileiro – goste você de novela ou não.

Na arte, Felipe Cunha e George Schall dividem os lápis, e aqui se estabelece provavelmente a minha única crítica ao álbum. A arte de Schall e Cunha são muito diferentes: Schall tem um estilo mais livre e ágil, arte-finalizado a pincel e muito característico. Ao passo que Felipe Cunha tem um traço irregular, um tanto inseguro, às vezes meio distorcido (os personagens ora têm cabeças grandes demais, ora braços muito curtos, ora mãos muito grandes, quase externas aos corpos) e acaba soando meio desnivelado perto do trabalho do George Schall. Inclusive, diferente do roteiro, onde não se vê a divisão do trabalho, a arte gera uma clara separação, com direito até a um furo de continuidade que segue bem aquilo que os personagens estão vivenciando na trama: se todos estão preocupados que os furos que a novela Sabor Brasilis tem apresentado (como um personagem que aparece sem a pasta que foi buscar na cena anterior), em Sabor Brasilis, o álbum, Antonio Callado usa brinco dependendo de quem o desenha. Numa cena, sob o traço de Schall, ele usa quase um alargador, de tão grande. Na cena seguinte, já desenhado por Felipe Cunha, o adereço desaparece completamente!

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Acima, arte de Felipe Cunha.
Abaixo, George Schall.

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Enfim, depois de uma espera de quase dois anos e a despeito desse pequeno descuido com a arte, Sabor Brasilis valeu cada minuto – de espera e de leitura (se bem que devorei o álbum de um dia pro outro). Uma graphic novel bacana, divertida, autêntica, tratando de um tema genuinamente brasileiro, sem exageros, sem elogio à violência e essas bobagens que tanto vemos por aí. Valeu muito a espera!

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Sabor Brasilis, de Hector Lima e Pablo Casado (roteiros) e Felipe Cunha e George Schall (arte). Editora Zarabatana, 128 páginas. R$ 45,00.

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Nota: 9

Ah, e se você mora em São Paulo ou estará lá neste fim de semana próximo, aproveite para ir ao lançamento oficial da HQ e pegar a sua autografada!


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