…ou “Quão longe uma webtira pode ir?” ou ainda “Quantos estilos diferentes um autor pode ter?”
O Ricardo Tokumoto (ou Ryot, como algumas pessoas também o chamam, incluindo o próprio) é um cara engraçado. Digo, um cara peculiar. Porque ele é tímido, calado até. Mas ali, na sua pouca altura, está escondido um cara de disposição e muito bom humor (ácido como o diabo, mas ainda assim, bom humor). É o que seu novo álbum, RyotIRAS Omnibus vem escancarar.
Fruto de mais um bem sucedido projeto de crowndfunding (ou vaquinha virtual, se preferir) seu álbum reúne tiras, cartuns e outras bizarrias produzidas entre 2009 e 2012 e publicadas no ryotiras.com, site com a honesta proposta de trazer “tiras relativamente engraçadas quase todos os dias”.
Resenhar um álbum de tiras é um troço complicado, porque a vontade é simplesmente selecionar um dúzia das melhores tiras (e o álbum traz material inédito também mais do que suficiente pra isso) e colar aqui, mas seria pouco. E o trabalho do Ryot não merece esse pouco.
Como coletânea, é difícil acreditar que Omnibus seja toda de um autor só – a impressão que se tem é que ali está compilado o material de uns três ou quatro quadrinistas diferentes, cada qual com seu estilo, com suas opções gráficas. Claro, há uma diferenciação decorrente da prática, da melhoria (e mudanças) na técnica, e a separação das tiras por ano deixa isso bem esclarecido. Mas a miríade de estilos que o Tokumoto tem (e lança) mão é incrível. E mantém-se presente mesmo que a gente perceba, no curso da leitura, a evolução de um sujeito querendo criticar, com o humor, algumas conjunturas sociais (como a insegurança urbana, a pobreza, o empobrecimento ceLebral oriundo da TV) para um sujeito que, tendo bebido do nonsense, decidiu voltar-se para o próprio comportamento humano em si. De achar ridículo não mais o poder da televisão sobre as pessoas, mas o assujeitar-se destas em frente à qualquer maravilha tecnológica da vez, por exemplo.
E nisso o álbum demonstra essa genialidade de sacar além do óbvio ululante que pulula nas mentes humanas, de brincar com o absurdo que permeia algumas situações e a gente finge que não vê, de cutucar com muita inteligência e delicadeza temas bastante espinhentos – como Deus, de quem tá na moda fazer piada, mas poucas são tão sutis e bem sacadas como colocar o Todo Poderoso como um sujeito comum, de barba, peruca e terceiro olho postiços.
É essa sagacidade, essa sutileza que fazem com que as tiras do Ricardo tenham uma penetração (ui!) bastante grande nas interwebs da vida – lendo o álbum, me surpreendi com quantas tiras eu tinha lido por aí, em Facebooks e congêneres, sem fazer ideia de que eram dele, sobretudo graças à dobradinha providencial entre “um milhão de estilos de traço” e os temidos “apagadores de assinatura”.
Enfim, RyotIRAS Omnibus é um material ducacete, e não surpreende nem um pouco que tenha estourado o valor pretendido no catarse.me em 50% (fazendo assim um total de 150% de arrecadação), nem que tenha atingido os 100% num prazo recorde. É um material bacana que me orgulha não só de ter a chance de conhecê-lo, como de fazê-lo no exato momento em que ele ganha o papel.
RyotIRAS Omnibus, de Ricardo Tokumoto. Quadrinhos Rasos, 212 páginas (colorido). R$ 30,00 Disponível para venda em breve no RyotIRAS
Nota: 9