
Cara, eu acho tenso quando coloco a mão num material desses…
Muita gente não há de concordar comigo, mas eu considero a Liga Extraordinária um dos melhores trabalhos de Alan Moore. De mãos dadas com aquela HQ curta do Lanterna Verde-que-não-era, são meus trabalhos favoritos do autor, por serem, ao mesmo tempo, divertidos e inteligentes (antes que as mulas lancem suas pedras, isso não quer dizer, nem de longe, que eu despreze ou desmereça trabalhos como Watchmen ou V de Vingança – eles só não são os meus favoritos).
Depois do extasiante segundo volume da Liga , onde Nemo, Quatermain, Murray, Griffin e Hyde encararam os marcianos de A Guerra dos Mundos, qualquer coisa que levasse o nome da Liga era esperado com ansiedade. Aí (não) veio o Dossiê Negro, que por questões legais ficou restrito aos norte-americanos. Um tanto para compensar os dessabores da publicação do Dossiê, Moore convocou de novo Kevin O’Neill e juntos começaram a trilogia que compõe o terceiro volume da Liga Extraordinária: a série Século.

E aí a coisa começou a desandar.
Em 2010, quando li a primeira parte de Século (1910), gastei dias ensaiando uma resenha aqui pro MdM, relatando um pouco de minha decepção com o material. Aquele meio texto ficou ali, nos rascunhos um tempo, até um dia, no QG, o Hell me disse que talvez meu desagrado com 1910 fosse decorrente de não conhecer os novos membros da Liga (Carnacki, Orlando e Arthur Raffles). Dei-lhe alguma razão e abandonei a redação da resenha. Claro que o problema sou eu! Como pude pensar que Alan Moore, meu deus, ALAN MOORE era o problema? Que tolice!
Pois bem, A Liga Extraordinária Século: 1969, segunda parte da trilogia, infelizmente mostrou o que eu não queria ver – o problema não era eu!

É fácil perceber que nem de longe esse terceiro volume das aventuras da Liga faz justiça ao vigor e a inventividade dos dois volumes anteriores. Essa imensa queda de qualidade passa pelos personagens? Naturalmente. É evidente que Carnacki e Arthur Raffles passam longe de ter o brilho e as peculiaridades de Nemo, Jekill/Hyde e Griffin. Exceção certamente é Orlando, de Virginia Wolfe, que, sobretudo neste 1969, soa bastante interessante. Enfim, em 1969 saem Carnacki e Raffles, restando à Liga ser apenas Mina, Quatermain Jr. e Orlando. Mas, se por um lado Orlando ganha em interesse, é incrível como Moore deixa a peteca cair e transforma Quatermain e Murray em arremedos chatos e massantes daquilo que já foram. Ainda que a trama traga uma justificativa boba para a mudança de comportamente de Mina (que está receosa de virar um dinossauro vitoriano justamente no meio da efervecência dos anos 60), não há uma linha sequer que diga o que transformou o intrépido Alan Quatermain num zero à esquerda sem iniciativa, sem graça, sem a menor razão de existir (ou de chamar-se Alan Quatermain). Inclusive, a mudança do comportamento de Mina faz parecer que de repente ela e Alan foram dormir na Era Vitoriana e acordaram nos anos de 1960…

Falando sobre a era do sexo, drogas e rock ‘n’ roll, Moore faz um trabalho bobo, pasteurizado, que está para os volumes anteriores como, sei lá, a Jovem Guarda estava para o rock inglês dos anos 60. É tudo bobinho, tudo raso, com cara de trama de novela. A trama sobre Oliver Haddo e seu culto não tem graça ou é instigante, os personagens que gostamos estão irreconhecíveis e os anos 60 são retratados como um daqueles documentários pueris sobre o esoterismo, a liberdade sexual e a lisergia da geração “faça amor, não faça a guerra”.
Diferente dos volumes anteriores, onde aparentemente Moore estava tocando à frente com dedicação uma ideia até simples que teve (reunir personagens clássicos da literatura vitoriana em uma só trama), aqui ele parece guiado por aquilo que mais critica na indústria: espremer, até os últimos tostões, uma ideia – mesmo que para isso tenha de levá-la para além do que ela dá conta.

Na arte, Kevin O’Neill também dá nos nervos, porque traduz, com maestria, toda a preguiça do roteiro. Cansa sua necessidade de, para causar, mostrar um pinto a cada duas, três páginas. Cansa seu desleixo com o desenho dos personagens (que chega a ponto de você só conseguir diferenciar Quatermain de Orlando pela cor dos cabelos). Enfim, assim como a trama, uma arte triste.

No fim, resta agora esperar a participação de Harry Potter na trama para colocar o último prego no caixão da Liga Extraordinária…
A Liga Extraordinária – Século: 1969. De Alan Moore e Kevin O’Neill. Editora Devir. 80 páginas, capa cartonada, R$ 35,00.
Nota: 4 (Mas o Búguima deu outra nota. Então, se você quiser conferir a opinião dele…)
