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A gente lemos: Mundo Fantasma, de Daniel Clowes

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Pense numa HQ que te dá uma rasteira no final, pense...



Eu nunca ouvi falar de Ghost World. Muito menos de Daniel Clowes. Dizem que tem um filme adaptando a HQ, mas eu nunca vi. Sequer fiquei sabendo que o álbum estava sendo lançado no Brasil. Acabei lendo por acaso, por teimosia - tanta gente falando dele ao meu redor, pedi emprestado ao Afonso da Gibiteca mais pra querer saber do que se tratava, sem fazer a mínima idéia do que esperar.



Confesso que até mais ou menos a metade do álbum a leitura estava meio difícil: um desenho estranho, que deixava todo mundo feio e com cara de velho, umas sombras num estranho tom de verde, uma ambientação confusa, difícil de estabelecer quando a história se passava. Os diálogos das duas protagonistas, Enid e Rebecca, sobre as coisas mais variadas do mundo não diziam a que a trama vinha. Mas é como disse o Lenine: "Se pediu, aguenta". Respirei fundo e continuei a leitura.



Mundo Fantasma trata de duas adolescentes (o desenho dificulta que você perceba que são exatamente adolescentes e não jovens adultas - não que na sociedade contemporânea isso faça grande diferença), Rebecca e Enid, como disse, e sua percepção do mundo. Elas passam todo o tempo juntas, falando mal de tudo e de todos, vendo e reclamando, dia após dia, das mesmas personalidades da televisão. De início elas me lembraram Beavis and Butt-Head, com sua língua ferina e cínica (com a diferença de que os dois cabeçudos da MTv não eram cínicos, mas burros mesmo).



Mas como eu disse, essa é uma daquelas HQ's que te dá uma rasteira.

Não digo que é o retrato mais preciso da adolescência dos anos 90 (como li em algum lugar por aí), mas é um retrato bem real da adolescência de um grande número de nós, isso é (lá pelos anos 90). Enid e Rebecca estão o tempo todo se queixando, tentando dar sentido e cor ao mundo fantasma que as rodeia, sem perceber que, bem, ele não "rodeia" ninguém. Com sua sagacidade, seu cinismo, elas são tão fantasmas quanto todo mundo ao redor delas. Não há nada de especial nas duas - por mais que elas tentem ser ou se fazer parecer, não importa que corte de cabelo usem, que carro dirijam, elas são como todo mundo. Falam e fazem merda numa vida que, apesar de importante, um dia acaba pra todo mundo.

Clowes escreve uma trama tão natural, mas tão natural, que você não faz idéia aonde aquilo vai dar, e quando a coisa toda chega lá, tudo o que você pode dizer é: "Puxa, faz sentido." Ghost World me atingiu de uma maneira que não sei explicar e que agora, folheando as páginas para escrever esta resenha, ainda me entala a garganta. A sequência final que começa quando Enid se separa de Bob Skeets, tem um simbolismo grande e bacana demais. Basta querer ver.




Como nem tudo são flores, a edição nacional tem seus problemas, todos por culpa da Gal Editora. Mundo Fantasma foi publicado nos EUA originalmente entre 1993 e 1997 (nos números #11 a #18 da revista Eightball, e em encadernado no fim de 1997) e desde então vem sendo elogiado e tendo tiragens esgotadas continuamente nos Estados Unidos. Mas a verdade é que, exceto pelo filme de 2001 (com Scarllet Johansson e Thora Birch), o grande público leitor de quadrinhos nacional nunca chegou nem perto da trama. Então porque você, leitor de HQ, vai comprometer quase trinta reais numa HQ da qual nunca ouviu falar? Se visse o material numa prateleira de livraria, é bem provável que você não se interessasse, já que a editora não ajuda. A sinopse na contra-capa não passa de duas linhas e não diz a que veio ("Duas adolescentes inteligentes e cínicas vivendo em um mundo estranho, ao mesmo tempo engraçado e assustador." C'est fini) e a ela se seguem trechos de críticas pinçadas aqui e ali pelos meios de comunicação - às vezes sucintos demais ("Imprescindível" - Folha de São Paulo), outras vezes vagos demais ("Um clássico" - The Onion) e hiperbólicas em excesso ("O gibi mais engraçado de todos os tempos" - The Face), eles não ajudam a atrair o leitor, nem parecem tentar, na verdade. Mas, digamos que os espíritos benfazejos de Will Eisner e Harvey Pekar toquem o coração desse leitor e ele arrisque seus suados caraminguás no álbum: A trama já entra de sola no peito do leitor, sem prefácios ou introduções - coisas muito importantes para um material desse tipo, principalmente porque ele foi publicado com um lapso temporal bem grande aqui na terra da banana. Custava responder aquelas velhas perguntas ("o que é?" "Pra que publicar?") antes da trama entrar em cena? Poxa, na falta de alguém competente, chamassem o Mário César, que em 2007 escreveu uma boa resenha sobre o álbum gringo para o UHQ.



Enfim, Mundo Fantasma é uma HQ que merece ser lida. Tenha você passado da adolescência ou ainda esteja nessa nossa adolescência tardia dos dias de hoje, vale mesmo a pena, pra móde pensar um pouco - e quem sabe não descobrir que você também é um fantasma?

Mundo Fantasma (Ghost World), de Daniel Clowes. Gal Editora, 82 páginas em preto, branco e verde, R$ 28,00 (aproximadamente).

Nota: 8,5 (e a culpa da perda de nota é toda da edição nacional).

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