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A gente lemos: Hamlet mangá

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Ser ou não ser, eis a questão.
É... Não é.


Eu não sei quem foi que me mandou, uns tempos atrás, um link que comentava o advindo lançamento de algumas obras do Shakespeare em mangá. Que eu me alembre, estava sendo anunciadas as adaptações de Hamlet e, o mais óbvio, Romeu e Julieta. Daí que usturdia, passando na Gibiteca, me deparei com estes dois volumes lá, novinhos. Até eu, que não gosto de mangá (mas gosto um bocado de Shakespeare) fiz o empréstimo.
Comecei por Hamlet, a obra favorita de sete em cada dez psicólogos, psicanalistas e outros bichos dessa espécie.



Pra quem não conhece, Hamlet (a obra original) narra a história do príncipe da Dinamarca (que se chama... Hamlet, sacou?) está de luto. O pai morreu há poucos meses e a rainha, sua mãe, casou-se com o cunhado. Porém, o fantasma do rei morto aparece aos guardas do castelo, e comunica ao príncipe que fora assassinado pelo irmão, que usurpou o trono e a rainha. Com isso Hamlet estabelece um plano de vingança: começa a se fingir de louco para arrumar formas de atingir o rei.

Bem, essa é a sinopse da obra original escrita lá pelos fins do século XVI. Ou seja: reis, castelos, rainhas e príncipes seguem aquela cara medievalzona que vem à mente da gente quando se ouve essas palavras. Mas... Dê um bico na sinopse do mangá:

O atormentado príncipe da Dinamarca viajará com o leitor até o ano 2107, quando mudanças climáticas devastaram o planeta e uma ameaça constante de guerra aterroriza a todos. Defendendo-se com sucesso dos países vizinhos, a Dinamarca é um país próspero. Mas talvez a maior ameaça a ser enfrentada não esteja em suas fronteiras, mas sim dentro do próprio estado. Nesse cenário futurístico, encontraremos o jovem Hamlet, cujo luto pela morte do pai se transforma em algo ainda mais sombrio quando o fantasma do rei se revela...




Sério. Shakespeare no século XXII. Atualizar assim é um problema já de cara? Não, não é. Baz Luhrmann fez isso numa boa com seu Romeu + Julieta, quando colocou a briga dos Montéquio com os Capulleto em pleno século XX. Inclusive, o filme de Luhrmann tem outro ponto em comum com o Hamlet de Emma Vieceli - ambos tiveram o cuidado de manter os diálogos originais. Mas se no caso do filme o diretor australiano soube dobrar algumas coisas (é engraçado - e estranho - a primeira vez que vemos os personagens se referindo à revólveres e pistolas como "espadas"), a mesma perspicácia não é vista em Hamlet Mangá. Os personagens são desenhados conversando entre si através de "tablets" voadores, podem compartilhar memórias e mensagens através de "pen-drives" alocados no corpo e o pior: são vigiados por dúzias de câmeras espalhadas pelo castelo Elsinore. Tudo beleza, né? Mas, caceta, como Hamlet trama seus planos, simula a loucura (e de repente para de fazê-lo) e ninguém percebe com tantas câmeras? A mesma coisa com o lance dos pen-drives de memória, cuja existência anula completamente a revolta pela morte do conselheiro Polônio - era só o filho dele, Laertes, pegar o chip de memória do pai e ver que a morte se deu por uma pataquada do próprio conselheiro.

Na verdade, nada desse lance futurista faz a menor diferença na história. Em nenhum momento é sequer citado o ano de 2107 (exceto na contracapa), nem menção de "mudanças climáticas" ou de "devastação do planeta". Hamlet mangá parece uma boa peça de teatro interpretada por atores ruins, com cenário e figurino completamente errados.

Tirando isso, a arte de Emma Vieceli é terrível, de uma incompetência assombrosa. Seu estilo veio diretamente daquelas revistinhas "Como desenhar mangá" que se encontra em banca de jornal. Burocrático, formalista e inconstante a ponto de dar muita preguiça. Inclusive, a arte compromete a compreensão do desfecho da história - na luta entre Hamlet e Laertes eu só consegui ver que as espadas foram trocadas porque eu sabia que elas tinham de ser trocadas. Incrível como lááááááá em 1600, Shakespeare conseguiu descrever uma briga de maneira visualmente muito mais vívida do que esse mangá. Incrível.



Na dúvida, compre o livro original. É domínio público (pode até baixar -em inglês- numa boa) e você acha edições muito baratinhas por aí, em traduções boas. Muito mais baratas inclusive do que esse lixo gráfico que a Galera/Record despejou nas livrarias tentando pegar carona no PNBE do governo.



Coleção mangá Shakespeare: Hamlet (desenhos de Emma Vieceli, adaptação de Richard Appignansi e tradução de Alexei Bueno). Editora Galera/Record, 216 páginas, preto e branco (as primeiras páginas são coloridas). R$24,90.

Nota: Zero (só não é -15 porque o roteirista é muito bom)
P.S.: Se você for muito macho (ou duvidar de uma resenha tão negativa) a Editora liberou um preview do mangá. Clique aqui por sua conta e risco.

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