
"Não tem cueca por cima da calça, não tem viagem interplanetária, etê, porra nenhuma. É uma galera normal, vivendo uma vida normal."
Parece que foi ontem que eu entrei no stand do Quarto Mundo no FiQ! procurando alguma HQ bacana para dar de presente à minha (então) namorada. Parece mesmo que eu estou ouvindo de novo as palavras da chamada desse post (mais ou menos, né?), proferidas por um gordinho menor que eu, de barba, meio bêbado. Parece que foi ontem, mas foi no FiQ! de 2007. De lá pra cá muita coisa mudou: eu terminei a faculdade, mudei de delegacia, a namorada virou ex, de leitor virei MdM (graaaande merda) e aquele lance de Nanquim Descartável passou de algo que eu nunca tinha ouvido falar para uma das HQ's nacionais que eu mais fico na pilha para ter novos lançamentos. Ah, e eu descobri que o gordinho de barba era o Daniel Esteves, roteirista, editor e criador do gibi. Se bem que eu já sabia disso na época.

Como eu disse na chamada, Nanquim Descartável é um gibi sobre pessoas normais fazendo coisas normais - três jovens adultos como eu, você e todo mundo (menos o Hell e o Tripa, que já são tiozões) discutindo as coisas mais normais do mundo. Ju (não, ela não chama nem Júlia nem Juliana) e Sandra são duas universitárias que dividem um apartamento. Ju, a desencanada doidona, estuda jornalismo e escreve roteiros de HQ. Já Sandra, a japinha, é o oposto da amiga: caladona e sempre na dela, cursa artes plásticas e... desenha HQ. Para fechar o trio, o mascador Tuba, rei do xaveco, amigo das meninas e também desenhista, mas que se voltou mais para a área da artefinalização. Pronto, você já conhece o centro ao redor do qual as histórias orbitam.

Sem capas, cuecas por cima da calça e superpoderes, Daniel Esteves se focou em contar histórias cotidianas - seus personagens falam e fazem muita besteira, se arrependem e muitas vezes tomam atitudes que você fica sem entender porque cargas d'água fizeram aquilo... E nem eles sabem o porquê.
O grande mérito do autor, desde a primeira edição, sempre foi esse: seus personagens são tão estranhos e aparentemente incoerentes como qualquer pessoa normal. Às vezes absurdamente previsíveis, para quinze minutos (e duas págias) depois fazerem algo completamente inesperado mas muito verdadeiro. A exemplo de séries como American Splendor, Estranhos no Paraíso (talvez aquela com que guarde mais semelhanças) e (o péssimo) Fracasso de Público, Esteves se dedicou a contar histórias comuns, de pessoas comuns para pessoas comuns - uma pedreira muito maior do que escrever o herói da moda, eu tenho certeza.

Nesta quarta edição, Ju praticamente rouba a cena ao rememorar um relacionamento marcante e sempre presente, ainda que enquanto ausência. Ao mesmo tempo, em sua pequena cidade natal, Sandra percebe que muitas vezes "casa" é só um lugar e voltar não tem sentido quando não há para onde voltar. Da sua parte, Tuba busca encontrar alguma paixão verdadeira no passado... Ou uma transa, o que vier primeiro. Detalhe para suas hilárias aparições de pé de página, praticamente uma adaptação para os quadrinhos da velha 2345 meia 78 do Gabriel, o pensador.
Um dos pontos altos de Nanquim Descartável sempre foi a presença de vários artistas diferentes cuidando do desenho, e nesta edição nada muda: Wanderson de Souza, Alex Rodrigues, Mário Cau, Fred Hildebrand, Júlio Brilha, Mário César, Wagner de Souza e Carlos Eduardo seguram muito bem a onda, numa edição que conta com a capa produzida por Luke Ross. Talvez o destaque negativo fique por conta de Alex Rodrigues, com a arte mais fraquinha entre os desenhistas (que me deu muitos arrepios ao evocar - não tanto pelo estilo gráfico mas pela situação da história e os personagens envolvidos no capítulo - lembranças de Fracasso de Público), mas cuja arte passa longe, bem longe de ser ruim. Só fica atrás quando a comparamos com os outros artistas.

Mas é preciso mesmo destacar a arte de Mário Cau. Figura carimbada na série, aqui ele se supera: é dele o capítulo mais denso da edição e também os trabalhos mais bonitos. A página dupla (34/35) com a ordem de leitura invertida e as páginas desenhadas sobre papel preto são de arrasar!
Como nem tudo são flores, o Capítulo 7 do álbum pareceu uma pequeno declive na trama: com a participação especial do próprio Daniel Esteves dentro da história, os diálogos ficaram truncados e verborrágicos demais, destoando bastante do que se vinha vendo até então.

No fim, Nanquim Descartável é um gibi sem nada demais. E ducacete justamente por isso!
Nanquim Descartável #4 - Conversas com alguém, de Daniel Esteves, Mario Cau, Wanderson de Souza e colaboradores, Editora HQ em Foco, 96 páginas, R$ 15,00.
Nota: 8
Ah, e pra quem se interessou, as edições 1, 2 e 3 estão disponíveis em pdf nesses links aí.
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