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Afinal de contas, toda adaptação é uma merda? Parte I

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Eu reclamo, tu reclamas, ele reclama, nós reclamamos. Será que o lance é sempre ruim?


Vira e mexe a gente comenta alguma adaptação de quadrinhos para o cinema aqui. Geralmente, a gente acaba reclamando de uma coisa ou outra. E sempre quando isso acontece, é certo que apareça algum leitor reclamando da gente, dizendo que "é óbvio que precisam haver mudanças, afinal é uma adaptação" ou "quer ver as coisas como no quadrinho? Então vá ler o quadrinho!" ou o argumento final e o máximo da racionalidade: "vocês são umas tias velhas que reclamam de tudo. Não gostou? Faz melhor!".

Isso aconteceu no meu último post sobre a adaptação para o cinema de Dylan Dog, da italiana Bonelli. Daí pensei, repensei e convido: bora falar de adaptações?

É comum nos meios mais letrados e refinados (que eu não frequento, mas que a minha filha número quatro frequenta e diz que a comida é muito boa), que se diga que "toda tradução é uma traição". Traduzir nada mais é do que adaptar (nossa palavra chave de hoje) algo de um idioma para outro. Nenhum tradutor de verdade simplesmente pega o texto numa língua (o português, por exemplo) e o substitui, palavra por palavra, pelo idioma de destino (digamos o inglês). Por isso muitos "tradutores" de scans não passam de caçadores de palavras no dicionário inglês/português: são meros transcritores.

Cyrano de Bergerac: leia o livro, veja o filme, compre o gibi!


No ramo do entretenimento, é a mesma coisa: adaptar o romance Cyrano de Bergerac (de Edmond Rostand) para os quadrinhos não é simplesmente desenhar cada passagem, cada diálogo do livro: isso é transcrever. Em termos de produção cultural, a adaptação é de linguagem - mesmo sendo uma peça de teatro, Cyrano precisa ser adaptado da linguagem literária para a linguagem dos quadrinhos. O tempo nos quadrinhos é medido de forma diferente de um livro, a noção de espaço e a ambientação precisam ser dadas de outra forma. Isso vale de uma obra literária para um gibi, para um filme, e outras combinações possíveis (até a música entra na roda).

Um outro ponto interessante, e que aqui entra quase como uma curiosidade, é aquele que os estudiosos da teoria junguiana (gente como Joseph Campbell e o próprio Carl G. Jung) defendem, de que toda história é uma adaptação. Sem entrar demais na teoria em si, mas a idéia é que toda história (relevante, naturalmente) reflete um "drama" humano real (na falta de uma palavra melhor). Toda boa história é a reencenação de uma história fundante da humanidade, de uma história que é comum a todas as pessoas. Com isso, não seria correto dizer que Neo e Matrix se inspiram em Jesus Cristo - na verdade, tanto Neo, quanto Jesus Cristo, quanto o Superman bebem na mesma fonte que é a do ideal arquetípico do Salvador. Por isso a gente se identifica tanto com as boas histórias, se reconhece nelas: nós realmente estamos lá!
Ou seja: independente do formato e da linguagem, toda adaptação já é uma readaptação, porque o material "original" já é uma adaptação. Fecha as aspas e voltamos ao assunto em si.

O salvador: variações do mesmo tema


Retomando e resumindo a parada até aqui, entre diferentes formatos de produtos culturais (Cinema, Tv, Histórias em Quadrinhos, Teatro, Literatura, Música) é possível se criar adaptações, que são adaptações de linguagem, adequações. Isso implica numa coisa: uma boa adaptação, então, é aquela que adequa a diferença de linguagem, que adapta a obra ao formato alvo, mas que mantém o conteúdo do trabalho original. Você nem precisa perceber que foi adaptado de alguma coisa. Aproveitando o exemplo que eu dei antes, você por exemplo pode assistir Cyrano, filme de 1990 com Gerard Depardieu no papel principal, e nem imaginar que aquilo era um livro. Ou ler A metamorfose de Peter Kuper e nem saber que é uma adaptação em quadrinhos do conto de Kafka. A trama deve ser adaptada de tal forma que, tirando a diferença de linguagem, nada mais mude.

A Metamorfose em quadrinhos: tão boa quanto o original


Há algo que não pode ser adaptado? Sim, quer dizer, tem coisas que perderiam muito a sua essência se fossem adaptadas, e acabariam descaracterizadas e irreconhecíveis. É o caso de Spirit, a HQ de Will Eisner: o formato HQ é tão parte da história quanto os personagens, Eisner sempre escrevia usando os balões, as separações entre os quadros como elementos da trama. Sem essas coisas, Spirit (o personagem) não passa de um detetive noir de máscara no rosto.

Será que foi a crise que fez o Spirit vir fazer programa infantil no Brasil?


Sim, Frank Miller, eu tô falando com você!



Bem, agora que já caguei a regra básica necessária estabeleci as bases dessa discussão, acho que por enquanto está bom, né? Na parte dois, vamos nos deter sobre algumas adaptações. E pra não dizer que nós do MdM só falamos mal das coisas, vou falar só de adaptações boas, pode ser?

/blogs/melhoresdomundo/2011/04/26/afinal_de_contas_toda_adaptacao_e_uma_me/

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