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A gente lemos: Nêmesis, de Mark Millar e Steve McNiven

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Ah, pra quê eu escuto os leitores dessa pocilga?

Nêgo, eu passei umas três vezes por esse encadernado de Nêmesis do Millar lá na banca do seu Joaquim e fiquei na preguiça. Mas aí chegaram várias cartinhas aqui na redação do MdM perguntando se eu não ia resenhar essa parada que eu decidi dar uma chancha, como diria o Didi Mocó.

E que arrependimento.

Mas antes do arrependimento, vamos àqueeeeeela sinopse mequetrefe da contra-capa do álbum:

Ele é um filho do privilégio, herdeiro de bilhões após a morte de seus pais. Possui uma frota de carros de luxo, um hangar cheio de aviões e incontáveis traquitanas tecnológicas ao seu dispor. Trajando uma máscara e uma longa capa esvoaçante, ele é um homem de branco lutando incansavelmente pela causa em que acredita.

Mas, se você pensa que Mark Millar e Steve McNiven estão contando uma história que você já ouviu, está enganado: você saberá que tem em mãos algo completamente diferente o virar a primeira página. Nêmesis persegue a violenta fantasia de dar vida ao maior de todos os vilões numa atrevida e implacável epopeia de ação, ultraviolência e humor hiperbólico ao estilo Millar (Kick-Ass, O Procurado) e McNiven (Guerra Civil)!

A sinopse deixa claro (e quem acompanhou a produção da HQ já sabia) que a ideia de Mark Millar aqui é brincar com o conceito do Bátema: jovem milionário órfão, traquitanas e trapizongas tecnológicas, fantasia com capa, atitudes e fugas e cenas de ação totalmente impossíveis. Porra, Nêmesis é o Bátema que pegou a roupa do Cavaleiro da Lua sem querer na lavanderia!

Falando sério, essa inversão do Batman vilão poderia ser interessante se… Millar tivesse uma história pra contar, coisa que ele não tem. Seu personagem, com sua fantasia de Zé Gotinha de capa, é mau por ser mau, e só. O que é um tanto vazio. Veja bem, nós engolíamos (ui!) isso nos anos 60/70, onde bastava que o vilão quisesse dominar/destruir o mundo ou casar com a Mulher Maravilha e tava tudo certo. Em pleno 2013, isso não cola mais, não sustenta uma história: as pessoas precisam ter uma motivação – e que seja minimamente coerente.

Mas eis que você, jovem leitor massavéio e catarrento, levanta a mão no fundo da sala e diz: “Mas o Bátema é bom por ser bom, a motivação dele também é vazia!” e todo mundo ri, você sofre bullying e não sabe porquê. Porque tá errado, caramba! Desde os primórdios, a motivação do Batman é bem clara e ampla: combater o mal que acabou com a vida do pequeno Bruce Wayne, e que segue acabando com vidas de inúmeros bruce waynezinhos diariamente (para mais sobre isso, vale consultar Batman: Guerra ao Crime, da dupla Alex Ross e Paul Dini). Na pior das hipóteses, o Batman é um altruísta, e o altruísmo basta em si próprio.

Muito diferente do Nêmesis.

Inclusive, a coisa só piora quando Millar esboça uma “motivação” para a vilania do personagem, porque ele sai do pastiche, da paródia a um (o Batman) e cai na cópia barata de outro: Morrison já construíra seu Prometheus como um Batman vilão, vingativo por ter perdido os pais para as forças da lei.

“Ah, mas ele muda essa motivação no final!”, puxa, seu catarrento, você é chato, hein? Sim, ele muda. E faz isso num deus ex machina tão ridículo, um pretenso plot twist tão, mas tão forçado que é até indigno de nota.

Nêmesis, a HQ, desprovida de um personagem interessante, acaba sendo só uma série de sequências de sangue e miolos e mais sangue e miolos na guerra entre o Zé Gotinha de capa e o Comissário Gordon de segunda, o chefe de polícia de Washington DC, Blake Morrow. Inclusive, falando em sequências, toda a parte inicial da HQ, até o surgimento de Morrow, tem um gosto requentado: parece que Millar a escreveu sob o impacto de ter assistido Batman – O Cavaleiro das Trevas, do Nolan, (isso sem falar da sequência da prisão). Tanto o roteiro da passagem, quando a arte, remetem diretamente a passagens daquele filme (que foi lançado dois anos antes da HQ).

Falando em arte, Steve McNiven. Um cara foda, né? Todo mundo que leu Guerra Civil concorda com isso. Pois, apesar de ter o nome dele na capa de Nêmesis, não foi ele quem desenhou – quer dizer, não foi o mesmo cara de Guerra Civil não ou, se foi, este agora desenha com a mão inapta. Sério. Seríssimo. A arte de Nêmesis é pavorosa! A boa narrativa de McNiven ainda está lá, mas os personagens tem umas expressões estranhas, como que desenhadas por um amador, que não sabe ainda representar diferentes idades ou emoções (a esposa de Morrow chorando à página 76 é medonha!). Isso sem contar as armas totalmente liefeldianas que ele desenha.

Sério. A arte de Nêmesis é tão ruim que eu tive de pegar Guerra Civil de novo pra ver se lá a arte era tão boa quanto eu me lembrava ou se não estava enganado. E não, eu não estava enganado, a arte de GC é realmente muito boa. Inclusive, não tem absolutamente nada a ver com a arte de Nêmesis, parece feita por outra pessoa. E de fato foi, uai! Enquanto em GC McNiven desenha com a arte final de Dexter Vines (e cores de Morry Hollowell), em Nêmesis ele desenha E arte-finaliza, sendo as cores de Dave McCaig. Pra quem acha que arte-final é só passar a canetinha preta por cima do grafite, taí: faça a comparação entre as duas histórias e mude completamente de opinião.

Enfim, Nêmesis é isso aí, esse cocôzinho indigno do papel em que foi impresso. No posfácio, Millar aponta que a minissérie deve virar filme, assim como rolou com Procurado e Kick-Ass (convenhamos que não é de hoje que o autor só trabalha para gerar proto-filmes). Quando lançarem o filme, vocês podem fazer um abaixo assinado maior do que aquele que pediu a cabeça do Marco Feliciano, que eu não vou ver nem ferrando. Ler a HQ já foi ruim o suficiente.

Nêmesis, de Mark Millar e Steve McNiven. Editora Panini. Capa-dura, 116 páginas. R$ 21,90.

Nota: 01 (porque saiu encadernado em capa-dura e baratinho)


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