E eu que nunca imaginei que compraria (mais um) encadernado com arte do Dave McKean…
Já digo de cara: eu não gosto da arte do Dave McKean. Acho chata, pseudo-vanguardinha demais, com aquelas colagens e aqueles rabiscos ruins em termos de assumir a principal função da arte pra mim, que é representar.
Mas enfim, Orquídea Negra não é só Dave McKean, e antes de falar da arte, do roteiro e de tudo o mais, vamos à sinopse, direto da contra-capa do álbum:
Uma super-heroína recebe um tiro na cabeça em uma sala de reuniões de uma corporação anônima. O corpo dela é consumido pelas chamas, e seu assassino vai embora em liberdade.
Assim começa Orquídea Negra, de Neil Gaiman e Dave McKean, uma das histórias em quadrinhos mais marcantes e de maior influência. Destruindo e recriando ao mesmo tempo todo um gênero, esta história das incríveis vidas de Susan Linden trouxe uma nova maturidade à narrativa gráfica e revolucionou o meio, sendo uma precursora da linha Vertigo.
A primeira vez que ouvi falar de uma Orquídea Negra (e acho que a única também) foi numa matéria antiga da Wizard, quando ainda era editada pela Globo, destrinchando minha HQ favorita, Reino do Amanhã. Nela (na matéria), citavam essa tal Orquídea (salvo engano, ela aparece na capa da edição #3 de Reino…), uma personagem sobre a qual eu nunca tinha ouvido falar. E tudo continuaria assim, se aquela menção não tivesse colocado uma pulga atrás da minha orelha. De lá pra cá, há uma imagem da Orquídea Negra original, acho que desenhada pelo Alan Davis, mas que eu não sei de onde, nem porque tenho registro disso na cabeça, eram tudo o que eu tinha da personagem.
Mas do moleque que leu Reino do Amanhã pra esse careca barbudo de hoje, passaram-se muitos anos.
E o selo Vertigo tornou-se uma realidade: a Orquídea Negra já não era uma HQ misteriosa sobre uma personagem obscura, era parte do hall de entrada, do mito de criação daquele selo tão adorado (e que tão boas histórias me deu). Era praticamente uma obrigação lê-la. Mesmo que, para tanto, tivesse de vencer o asco, a ojeriza à arte de Dave McKean.
O fato é que a leitura não foi nem um pouco decepcionante. Partindo de uma super-heroína lado B do lado B, o (ainda) novato Neil Gaiman conta uma história anti-super-heroística em tudo: pra começo de conversa, a super-heroína do título começa a HQ já tomando um tirambaço na cabeça logo na página 16. Se, em 2013, essa situação soa dramática e densa, fico pensando no já distante ano de 1988. Creio que intencionalmente, em nenhum momento (sobretudo deste início) a Orquídea Negra original é mostrada com clareza – a gente sabe que o uniforme dela tem uma máscara e uma capa de pontas a la Dr. Estranho, e nada mais. Gaiman e McKean, indiretamente, mandou reto o recado: “Desculpa, mas aqui não vai rolar nada do que você está acostumado. Nem com a personagem que você esperava ver.”
E esse anti-super-heroísmo é algo muito legal, ainda que às vezes dê uma derrapada: não há planos de vilão, não rolam combates titânicos mocinho/bandido – Orquídea é uma história muito mais filosófica, quase existencialista (afinal, a essência precede a existência? A graphic defende que não plenamente), e termina desse mesmo jeito.
Alguns inclusive poderão dizer que ela termina de maneira anti-climática e eu acho que eles não poderiam estar mais errados – Orquídea… acaba exatamente como transcorreu: nada durante a trama faria crer que teríamos um grande embate do bem contra o mal, o azul e o amarelo, tudo é tão belo. Nada disso.
Apesar disso, a graphic tem um lance muito legal que são as participações especiais do Monstro do Pântano, do Batman, do Lex Luthor e da Hera Venenosa. Gaiman os amarra de maneira bastante coerente (sobretudo aqueles envolvidos com plantas: o Monstro, a Hera, o Homem Florônico e a própria Orquídea, claro) e interessante, fazendo com que sua nova personagem atue como um par de linha e agulha alinhavando vários personagens aparentemente só superficialmente relacionados. Enquanto isso, Luthor é representado muito mais como um chefe mafioso, quase um Corleone, do que o mega-empresário-entediado-megalomaníaco-que-odeia-heróis. Ele tem motivos, tem métodos e é ruim o suficiente para juntar as duas coisas. Já a Morcega, bem, ainda que seja o Bátema de 1988, Gaiman o apresenta como uma entidade urbana, quase que o espírito de Gotham City: nada acontece na cidade dele sem que ele saiba, Batman e Gotham são como um só. É justamente o que gosto nessas HQ’s com protagonistas low-power: mostrar como todos aqueles supers de colantes fazem as coisas parecerem grandes demais, inumanas demais.
Na arte, como já adiantei, Dave McKean não está como estamos acostumados, é seu trabalho menos davemackeaneano. A arte é clara, inteligível, e em momentos muito raros ele lança mão das (pra mim) irritantes colagens. Talvez, assim como Gaiman na época, McKean ainda não era O Dave MacKean, e julgou mais prudente fazer algo mais perto do convencional. Funcionou muito bem. É belíssima por exemplo a sacada dos bandidos urbanos em preto e branco contra o verde exuberante da floresta tropical, e eu tenho dificuldades em imaginar essa HQ com uma arte que não fosse essa. Impressionante.
No fim, Orquídea Negra é um álbum que vale ter na estante. Se ele ainda não tem a força do selo que ajudou a criar, se seus realizadores ainda não tem as identidades profissionais que depois assumiram, ainda vale como um registro (fiel) dos primórdios de tudo isso. E acaba sendo muito poderoso por isso mesmo.
Orquídea Negra, edição definitiva. De Neil Gaiman e Dave McKean. Editora Panini. Capa-dura, formato Panini (18,5X27cm), 180 páginas. R$ 24,90.
Nota: 8