Sim! Uma resenha de mangá aqui no MdM. Sim! E ela NÃO foi escrita por você-sabe-quem!
Cara, vou te ser bastante sincero: eu já li uns mangás na vida. Começou de leve, com aquelas adaptaçõezinhas de Star Wars, depois eu fui mexendo com séries cada vez mais longas, como Yu Yu Hakushô e Love Hina (cara, eu me mijava de rir com Love Hina!). Passei por Dragon Ball, aquela fase G de gay de Cavaleiros do Zodíaco e uma outra coisa solta aqui e outra acolá.
Mas acho que foi o fator otaku que me fez largar as drogas.
Enfim, mas veio o dia em que eu recebi uma indicação de um mangá vinda de uma fonte completamente inesperada. Quando o Marshall (do falecido Área-171) me sugeriu um mangá… Eu desacreditei. Era uma sugestão tão bizarra (como se a sua mãe te sugerisse o top dez filmes da Alexis Texas) que eu tive de correr atrás. Duas semanas de estoques esgotados depois, consegui colocar minhas suínas mãos nos dois primeiros volumes de 20th Century Boys.
E porra, que soco no estômago! Mas como sempre eu estou me antecipando e esquecendo da sinopse do gibi (é gibi sim, independente de ter sido feito no Japão ou em Olaria):
A humanidade não teria superado o desastre do final do século 20 se não fosse por “eles”. Em 1969, quando ainda eram crianças, “eles” criaram um símbolo. Em 1997, quando a crise se aproximava lentamente, o símbolo ressurgiu. Esta é a história de como um grupo de garotos comuns salvou o mundo.
20th é basicamente sobre isso: um grupo de garotos, amigos de infância que, já adultos, de repente se percebem no meio de um furacão capaz de mudar o mundo – aparentemente pra pior.
Kenji, o gerente de um mercadinho franquiado, é o protagonista. Era um garotinho sonhador, que acabou virando um adulto sem muitas ambições, sem mulher (todos os da sua idade já estão casados ou se casando) e que acaba com a incumbência de cuidar da sobrinha, um bebêzinho, depois que sua irmã mais velha some no mapa. A seu lado, a turminha de (ex) moleques: Yoshitsune, o tímido; Maruo, o gordinho engraçadinho e Keroyon, o cara-de-sapo e ex-vilãozinho das brincadeiras de infância.
No primeiro volume, não se faz muita ideia do que está acontecendo: pessoas desaparecem e morrem ao redor de Kenji, permeados por um estranho símbolo de uma mão e olhos. Neste volume, vamos sendo ambientados no(s) mundo(s) de <I20th Century: sim, nos mundos, porque a trama é não-linear, e se passa em diferentes tempos: a infância dos garotos, na década de 60/70, o presente deles, no carnaval ano de 1997 e às portas do futuro próximo, no ano 2000 (algumas poucas cenas mostram momentos aparentemente posteriores ao ano 2000). Somos apresentados à misteriosa figura do “Amigo”, um líder de uma seita misteriosa, que aparentemente é um membro óbvio do clubinho dos garotos e que está arregimentando seguidores para algo certamente sórdido.
Já no segundo volume, essas tramas todas avançam (agora com algumas passagens da adolescência de Kenji), enquanto ficamos sabendo um pouco mais sobre sua irmã desaparecida, Kiriko, as circunstâncias misteriosas acerca da morte de Donki e do desaparecimento do professor Shikishima e de sua família. Sem falar do plano do “Amigo”, que começa a ficar mais claro (e seus métodos também).
Mas e aí, o que 20th Century Boys tem assim de tão especial para conquistar mesmo este empedernido leitor de comics que vos escreve?
Primeiro e mais importante, 20th não tem os traços mais incômodos (pra mim) dos mangás em geral: não é verborrágico (“__Sua irmã está morta, Nikima!” “__O quê? Você está dizendo que a minha irmã está morta? Não posso acreditar que minha irmã esteja morta! Você está mentindo, minha irmã não está mortaaaaaaaargh!”) nem estriônico: nada de gritos, nada de exageros expressivos a cada página e meia. Muito pelo contrário, o mundo de 20th é um mundo bem comum, com pessoas comuns agindo de maneira comum – isso quer dizer que eles vão, inclusive, ignorar os desdobramentos óbvios de ficção que você já espera que rolem de antemão.
Mesmo com um vilão, com um plano mestre, com tudo acontecendo, as pessoas parecem normais, o que só aumenta uma sensação de “Caralho, afinal de contas o que de fato está acontecendo?” que é o tempero da coisa toda. A série te enche de perguntas e, sobre elas, mais perguntas que você acaba num climão de “será que eu tô perdendo alguma coisa?” que de fundo lembra muito a sensação que tive quando li Watchmen pela primeira vez.
E até este momento, não, não é exagero: a comparação (em termos de trama) procede.
A grande diferença talvez seja no que diz respeito à condução da trama: se em Watchmen ficamos na pilha para saber quem é o vilão e qual seu plano, em 20th isso é quase óbvio, e o que queremos saber é como aqueles moleques vão fazer para evitar a merda toda? De resto, outras similaridades estão lá, como o clima tenso, de pré-apocalipse, que domina a narrativa.
Mas como nem tudo são flores, o pééééééé da rodada vai para a Panini: o primeiro volume não tem indicação de idade – coisa que o volume 2, apesar de não trazer graaaaandes mudanças em termos de conteúdo apropriado ou não, já tem: ele é recomendado apenas para maiores. Isso é importante? É. Porque no fim dos volumes tem “glossário” que beira a vergonha alheia. Legal me explicarem o que é o Budoukan (ainda que fosse perfeitamente compreensível no contexto), mas pelo amor do Amigo, faz sentido num gibi para maiores de 18 anos explicar o que o autor quer dizer com “Duas Grandes Guerras”? Ou com “União Soviética”? “Guerra Fria”? “Queda do Muro de Berlim”? Porra, chuchu, eu sei que a população anda emburrecendo, mas peraê! Isso sem falar dos erros de concordância que permeiam o glossário. No verbete sobre o Canadian Back Breaker, lê-se: “(…) levanta o oponente de forma que as costas dele fique apoiada (…)” Alô revisão! Não vamos deixar esses pequenos detalhes cagados num material tão foda!
20th Century Boys, de Naoki Urasawa. Editora Panini. 216 e 208 páginas (volumes 1 e 2, respectivamente). Preto e branco, leitura oriental. R$ 10,90. Série bimestral.
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Nota: 10
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20th Century Boys, música foda do T-Rex (banda foda pra cacete) e que inspira o nome do mangá