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A gente lemos: A máquina de Goldberg

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O que você faria se fosse um nerd gordinho rejeitado pela sociedade num acampamento de férias? Ok, desculpa se toquei num ponto sensível…

Quando a Cia das Letras começou com esse projeto (que tem um nome, ou é ligado a uma iniciativa, mas eu não sei) de juntar escritores consolidados com quadrinistas, muita gente se surpreendeu e ficou meio sem saber o que esperar. Aí veio o primeiro álbum, o intrigante Cachalote, de Daniel Galera e Rafael Coutinho, e a incerteza deu lugar a uma grata surpresa: Cachalote é um álbum foda, por uma equipe foda, lançado numa edição foda (por uma editora foda) e, o melhor de tudo, aparentemente era só o primeiro de muitos!

Daí eis que o verbo se fez álbum e surgiu o segundo material do projeto: A Máquina de Goldberg, unindo o experiente Fido Nesti nos desenhos (e roteiro) e a vencedora do prêmio Jabuti Vanessa Barbara. Vamos à sinopse, direto do site da Cia das Letras:
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Há cem anos, o cartunista Rube Goldberg desenhava suas primeiras máquinas. Eram engenhocas complexas em que uma corda ligava um abajur que ofuscava um jabuti que batia num flamingo de plástico, acionando uma mola de metal que descia uma escada em caracol, cumprindo um objetivo esdrúxulo como massagear a cabeça, pregar um prego ou fechar a porta.
“São um jeito de tornar as coisas mais difíceis. É tipo uma filosofia de vida”, explica um dos personagens de A máquina de Goldberg, estréia nos quadrinhos da escritora Vanessa Barbara, acompanhada do ilustrador Fido Nesti, que também assina o roteiro.
A trama se passa num acampamento de férias onde Getúlio, um garoto punk e asmático, cumpre pena por ser antissocial na escola. Em meio à perversidade dos colegas e à temida hora da ginástica, ele conhece o zelador Leopoldo, um velho melancólico com uma obsessão: construir geringonças.
Juntos, arquitetam uma ambiciosa vingança que une as fugas de Bach às variações de Rube Goldberg, numa engenharia absurda que vai se expandindo até derrubar todas as peças do dominó, instaurando o terror no coração da Montanha Feliz.

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Foda, certo? Hum, nem tando.
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A Máquina de Goldberg, o álbum, sofre de alguns problemas: o primeiro deles é ser o irmão mais novo de Cachalote. Sei que a comparação é chata, e sei também que o álbum da baleia passa longe de ser uma unanimidade entre os leitores, mas que causou impacto, que incomodou, não se pode negar. Vindo nessa esteira, A Máquina… sofre de ser uma história morna, sem nenhuma espécie de impacto. É só uma traminha boba, Sessão da Tarde, sem um conflito que valha a pena. Inclusive, este é o único ponto ao qual A Máquina… pode se apegar: você PRECISA ler como um filme da Sessão da Tarde. Tipo um Te pego lá fora ou Férias de Verão, enfim. Se você não tiver isso em mente, a leitura de A Máquina de Goldberg será desastrosa.
Outro problema do álbum é, pasmem, justamente um dos que eu apostaria de antemão que seria um ponto forte: a arte de Fido Nesti. Sério. Veja bem, eu adoro o trabalho dele. Toda vez que vou à Gibiteca, pego, dou uma conferida, estudo, copio (sim, copio) alguns dos desenhos dele na adaptação de Os Luisíadas, mas em A Máquina… ela simplesmente não funciona. Seu traço é arredondado demais, livre demais pra fazer minimamente críveis (e compreensíveis) as máquinas de Goldberg do título (cuja versão mais clássica deve ser a abertura do finado programa Rá-Tim-Bum, da Cultura. Os mais velhacos talvez se lembrem de um joguinho do tempo do 486, chamado “Incredible Machines”) – tendo sempre de recorrer ao irritante expediente de “traduzir” as máquinas que desenha em recordatórios gigantescos.
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E, pra fechar, o terceiro e maior problema, que de certa forma congrega os dois anteriores: com furos na trama (às vezes no roteiro, às vezes na arte) e terminando cheio de pontas soltas, A Máquina de Goldberg parece um material muito descuidado. Pra você ter uma ideia, graficamente, a máquina apresentada nas páginas 48 e 49 (a primeira que o leitor tem contato) seria acionada pela própria porta, dando zica. A trama paralela envolvendo Rufus é uma hipérbole totalmente desnecessária (sem contar o flagrante que Getúlio dá nele e que não dá em nada) e, pombas, quantos anos dura esse maldito acampamento? Nunca vi imprimirem jornal e a associação de pais e mestres se reunir assim, de supetão mas super tempestivamente para decidir algo AINDA durante o acampamento!

Enfim, é triste, mas ao terminar a leitura, me arrependi da compra. Principalmente porque, na livraria, eu só tinha grana para um álbum, e tive que escolher entre A Máquina de Goldberg e Guadalupe, do mesmo projeto da Cia. mas com arte de Odyr e texto da Angélica Freitas, que parece um tanto mais promissor. Fazer o quê? Fica pro mês que vem.
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A Máquina de Goldberg, de Vanessa Barbara e Fido Nesti. Ed. Cia das Letras (Quadrinhos na Cia). 122 páginas. R$ 34,50.

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Nota: 4
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