“Num buraco no chão, vivia um hobbit.”
J. R. R. Tolkien
60 anos antes dos eventos mostrados em O Senhor dos Anéis, Bilbo Bolseiro é recrutado pelo Mago Gandalf para partir de seu pacato vilarejo no intuito de ajudar um grupo de anões a recuperarem seu reino nas entranhas de uma enorme montanha na Terra-Média, que foi dominado pelo terrível Dragão Smaug, o qual queria roubar o tesouro deles. Pelo caminho, orcs, elfos, ogros, magos, gigantes… e um misterioso Anel.
Poucas pessoas sabem traduzir um universo fantástico pro Cinema como Peter Jackson. Não só traduzir, mas reconstituir toda uma mitologia imaginada pra uma determinada mídia em outra mídia com códigos narrativos completamente diferentes. Acho que eu só fui valorizar isso nele quando vi King Kong, onde esse talento era mal empregado, pois Jackson perdia completamente o freio naquela ilha do Kong, como se quisesse desesperadamente dar asas a imaginação, indo longe demais e perdendo o foco.
Agora que ele está de volta ao lar, você percebe o quão confortável o diretor se sente na Terra Média. E eu estou nem falando da questão tecnológica, já que isso dividiu opiniões. Por um lado muita gente achou que ele se repetiu demais até nos efeitos, por outro alguns ficaram impressionados com os 48 quadros por segundo. Pra mim pelo menos, não incomoda que ele tenha usado os mesmos programas de computador do Senhor dos Anéis em cenas como aquelas batalhas entre numerosos exércitos, não acho isso um demérito narrativo quando bem empregado.
Por outro lado os 48 quadros causaram em mim a mesma sensação que o 3D causou na primeira vez. Você se pega olhando praquilo meio deslumbrado nos primeiros cinco minutos querendo se concentrar nos mínimos detalhes proporcionados pela nova tecnologia… e dez minutos depois você percebe que está tão ligado na história do longa metragem que esquece completamente dos 48 quadros.
Falando na história, senti aqui uma mistura do que o Jackson fez em A Sociedade do Anel com As Duas Torres, que até hoje são na minha opinião respectivamente o melhor e o pior que o diretor já fez com a obra de Tolkien. Por um lado você tem uma trama bem organizada, que tem a ciência que a própria aparição de determinado personagem ou determinado cenário é um evento por si só… por outro você tem uma boa dose de enrolação e encheção de linguiça. Porém, Jackson sabiamente concentra grande parte dessa embromação criando várias cenas de ação bem executadas. Ao mesmo tempo, o cineasta sabe que não é a mesma história do Senhor dos Anéis, não há um a ameaça inimaginável nos calcanhares dos heróis, Smaug ainda esta dormindo e Sauron não se recompôs.. o que permite muito mais paradas e reflexões durante a jornada.
Daí é que vem sua intimidade com o universo que está adaptando. O Hobbit – Uma Jornada Inesperada é um ótimo filme de ação, uma aventura daquelas cheias de acontecimentos – parece mais uma campanha de RPG que toda a Trilogia do Anel - e o diretor ainda encontra espaço pra explicar como começou a rixa entre elfos e anões na Terra Média, como os últimos foram deserdados de seu patrimônio por uma ameaça alada, mostrar a jornada (exterior e interior) de Bilbo Bolseiro que culminará no último filme da nova trilogia nos mostrando o que houve no dia em que ele decidiu entregar o Um Anel a Frodo e deixar a Vila dos Hobbits pra sempre, como visto no início de A Sociedade do Anel.
Obviamente o livro O Hobbit foi escrito por J. R. R. Tolkien antes de O Senhor dos Anéis e muita gente estranhou as explícitas referências a outra obra, como se fosse um prequel. Eu diria que faz um tempo que Peter Jackson rompeu com as amarras dos livros. Os livros sempre estarão lá, mas os filmes são uma obra dele também… com um público específico que conheceu a Terra Média graças a ele. Confesso que acho a idéia de fazer uma trilogia nos mesmos moldes da anterior com TRÊS HORAS CADA FILME com um livro curto como O Hobbit um caça-níqueis safado e que tem tudo pra dar errado.
Só que até agora, ao menos, não deu errado. Pelo contrário. Jackson surpreendeu e acertou até nos pontos mais difíceis, como caracterizar pro Cinema e diferenciar visualmente os TREZE anões da campanha dos heróis, e fazer inserções envolvendo a ameaça de Sauron, que enriquecem a mitologia e não interferem na trama principal.
É bem verdade que conclusão do filme deixa o público frustrado, justamente pelo excesso de falta de conclusão. Definitivamente é o clímax mais fraco dos quatro filmes até aqui. Mas não é ruim… e consegue deixar um gosto-de-quero-mais, já tão comum na franquia.
Outro acerto foi trazer de volta o máximo de rostos familiares de forma coerente. E pra quem é fã é muito bom rever Ian Holm, que divide o papel de Bilbo com o excelente Martin Freeman, Elijah Wood, Ian MacKellen, Christopher Lee, Hugo Weaving, Cate Blanchett e Andy Serkis… que além de voltar a dar vida a Gollun através da captação de imagens, também deu uma força a Jackson trabalhando como diretor de segunda unidade nas tumultuadas gravações.
Concluindo: Assistindo a O Hobbit – Uma Jornada Inesperada eu não consigo imaginar que nem mesmo Guillermo Del Toro – outro craque em criar universos fantásticos no Cinema e que abandonou o projeto do Hobbit devido a muitos problemas e atrasos nas filmagens – tivesse o dom que o Peter Jackson tem de nos levar a explorar um lugar tão inusitado quanto a Terra Média e ao mesmo tempo fazer com que a gente se sinta em casa por lá.
Nota: 9,5.
OBS: Não percam Hell e Change sentando o cacete (ui) no filme durante o “Drops MdM Especial: Foda-se o Hobbit” que sairá na semana que vem!