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A Gente Vimos: Argo

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Não importa se a arte imita a vida, ou se a vida imita a arte… o que importa é que as vezes a arte pode salvar vidas.

Após o Aiatolá Ruhollah Khomeini assumir o poder no Irã em 1979, o povo iraniano exige que os EUA entreguem o seu antecessor, o Xá Mohammad Reza Pahlavi, que a essa altura estava exilado nos EUA. A multidão, inflamada, invade então a embaixada norte-americana e faz todas as pessoas lá dentro de reféns por um longo período de tensão que se arrastou por mais de um ano. Acontece que meia dúzia de funcionários conseguiram fugir sem serem notados e encontraram abrigo na casa do Embaixador do Canadá.

Enquanto tentava buscar uma solução para a situação dos reféns da embaixada, a CIA incumbiu Tony Mendez (Ben Affleck), o seu maior especialista em exfiltração – literalmente o contrário de infiltração – para tirá-los de lá. Ao assistir ao filme A Batalha do Planeta dos Macacos com o filho, Mendez tem a idéia de convocar o maquiador de Hollywood John Chambers (John Goodman) para arquitetar uma fraude que salvará seis vidas.

Juntamente com o produtor Lester Siegel (Alan Arkin), eles criam uma falsa produtora de cinema chamada Studio Six para supostamente filmarem no Irã o filme de ficção científica Argo, fazendo com que os seis fugitivos se passem por membros de uma equipe de produção canadense e possam deixar o país. O detalhe: Essa história é praticamente toda ela real. Abaixo você pode ver a imagem do verdadeiro pôster do falso filme.

Em meados do século XX o Império Persa passou a se chamar Irã e esse foi o princípio de uma série de mudanças que vinham ocorrendo naquele país. Em 1953 o Primeiro-Ministro eleito pelo povo Mohammed Mosaddeq nacionalizou o petróleo iraniano, o que levou a insatisfação de britânicos e estadunidenses, que também tinham o temor – aparentemente sem fundamento – de que ocorresse uma aproximação entre Irã e União Soviética.

Instigado pela CIA, o Xá Reza Pahlavi tentou demitir o Primeiro-Ministro, mas enfrentou fortes manifestações contrárias do povo. Enquanto ele se auto exilava em Roma, a CIA mexeu seus pauzinhos e – exatamente como ocorreu em vários países da América Latina – levou a um golpe militar que tirou Mosaddeq do poder (ele viveu em prisão domiciliar o resto de seus dias) e reconduziu Reza Pahlavi a soberania, pois ele convinha aos interesses estrangeiros. Porém, o Xá transformou seu governo numa ditadura cruel de opressão, onde mandou matar e torturar diversas pessoas da oposição, além de liderar um processo cada vez maior de ocidentalização do Irã, país de maioria tradicionalista.

O Ocidente fechou os olhos a tudo isso até que, no fim dos anos 70, a insatisfação popular explodiu quando o Aiatolá Khomeini liderou a Revolução Islâmica pondo o poder nas mãos dos xiitas e começando um acerto de contas com uma onda de violência que dominou as ruas do Irã. Reza Pahlavi, que já se encontrava doente, foi buscar ajuda de seus aliados nos EUA, que lhe deram asilo político. Inconformados com isso, milhares de manifestantes invadiram a embaixada e é aí que começa a história de Argo.

Surpreendentemente Ben Affleck – que também é diretor do longa-metragem – situa o público nesse complexo cenário geográfico e histórico logo no prólogo do filme de modo bastante eficiente. Mais surpreendente ainda é como Affleck consegue retratar os dois lados da moeda. Se por um lado, mostra a selvageria que tomou conta das ruas do Irã, também não economiza chumbo pro outro lado, como no momento em que uma reportagem da TV mostra um iraniano que mora nos EUA sendo espancado na rua e as reações preconceituosas de boa parte do povo norte-americano.

Affleck é inteligente na função de diretor. Prova disso é saber reconhecer suas limitações como intérprete, escalando-se no papel do espião, cuja função é essencialmente ser inexpressivo e passar despercebido.

No momento em que Mendez vai a Los Angeles começar a pôr em prática o seu plano a história muda de figura drasticamente ao sermos jogados na Hollywood do começo dos anos 80, onde também existem castas e um sistema próprio de favores e manipulações políticas dentro do mundo do entretenimento. Pra sorte deles uma das regras em voga na época era copiar Star Wars.

Porém, nunca somos totalmente desligados do que ocorre no Irã, num contraste que rende uma das grandes cenas do longa, quando todos estão no coquetel de lançamento de Argo rodeados por pessoas fantasiadas como personagens de ficção científica e a televisão na cozinha segue mostrando de forma tensa a Crise dos Reféns no mundo real.

Uma informação interessante que o diretor transmite ao público é como ele se aproveita desses ambientes diferentes pra trafegar por gêneros do próprio Cinema. Argo começa como um filme politico dos anos 70, brinca com o cinema sci-fi dos anos 80, evolui pra um autêntico filme político da atualidade e culmina com um thriller de suspense no melhor estilo Hitchcock, já que no final surgem um festival de MacGuffins na tela.

Pra quem não sabe, MacGuffin era como Hitchcock chamava os artifícios narrativos que geram toda uma ação à sua volta. Não tem a menor importância pro público que assiste, mas faz uma diferença crucial na vida dos personagens. Affleck se vale desse recurso pra gerar um grande clímax, ainda que evidentemente se afaste da história real neste ponto. O resultado pode dividir opiniões, mas eu achei ótimo.

Pra mim Argo é uma excelente produção. Só peca um pouco no fim, onde destoa do equilíbrio e lucidez relativos as questões políticas que mostrou no início, ao enaltecer um suposto “heroísmo” da CIA pela operação ter sido mantida sob sigilo. O diretor/ator também recebeu críticas por supostamente diminuir a importância do embaixador canadense no caso. Também é de se lamentar a visão fria que o longa metragem dá para a resolução da situação dos reféns que ficaram na embaixada… da mesma maneira não dá pra não ficar pensando no sofrimento de milhões de iranianos antes e depois da Revolução Islâmica.

Apesar dos pesares, no fim dá pra se concluir que quem Affleck quer glorificar aqui é o Cinema. Tanto que propositalmente mostrou o letreito de Hollywood destruído em 1980 – sendo que ele tinha sido consertado em 1978 antes de Khomeini subir ao poder – como se quisesse ilustrar como mesmo a capital decadente do Cinema pode representar a Redenção. Através da Arte estaria uma forma improvável de Salvação. Isso sem contar que os nomes mais conhecidos e respeitados do elenco são os atores que fazem o maquiador e o produtor, respectivamente John Goodman e Alan Arkin.

Quando Mendez fita as figuras de ação do filho na estante parece estar dizendo com o olhar para aqueles bonequinhos de Star Trek, Star Wars, Planeta dos Macacos etc.: “Vocês são os verdadeiros heróis.”

NOTA: 9,5.


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