Já tem um ano que eu comprei o álbum. Li, ouvi, perdi-o e achei, num ciclo de ironia divina quase sem fim…
Confesso que resenhar esse álbum foi difícil – sendo franco, confesso mesmo que evitei esta resenha.
Porque se trata de um álbum ruim? Não, não mesmo, muito pelo contrário – é um álbum muito bom. Mas que teve o azar de ser produzido por gente que eu conheço, que eu convivo. Como resenhar sem parecer que se trata de um jabá, de um post comprado como fazem alguns fritadores por aí?
Não queria que a resenha de um bom álbum fosse desmerecida sob a alegação de excesso de brodagem – mas também não acho justo que um bom álbum não receba atenção aqui no MdM pelo mesmo motivo. Assim, depois de muito pensar e refletir, de muito por que resenhá-lo, por que não resenhá-lo, por que resenhá-lo, por que não resenhá-lo, resenhei-o-o!
No começo havia o verbo. Do verbo fez-se canção, e das canções fizeram quadrinhos: nascia o Quadrinhos Rasos, blog tocado por Luís Felipe Garrocho (o Lipão) e Eduardo Damasceno (o… bem… er… Damasceno mesmo) onde essa dupla de dois adapta, em HQ, canções diversas – sempre tendo o cuidado de se afastar o máximo possível do contexto original da canção. Se você não conhece, não sabe o que está perdendo.
Em Achados e Perdidos, essa parceria música/HQ é trazida de novo à tona, com a inserção de Bruno Ito na mistura (eu nunca sei se ele é/está/sei lá rondonense, roraimense, acreano ou se de fato existe, mas sei que é pros lados de lá). Isso porque, de alguma forma similar aos Quadrinhos Rasos, Achados e Perdidos também tem a ver com música. É uma graphic novel com trilha sonora.
Mas antes d’eu me deter nesses aspectos digamos, técnicos da obra, vamos à trama em si. Em Achados e Perdidos, somos apresentados a uma dupla de amigos: o ensimesmado Dev, e o amalucado e hiperativo Pipo (de Agapipo). São dois colegiais como quaisquer outros, com uma rotina fixa que inclui matar aula uma vez por mês, pelo menos, para irem a um lugar secreto ler gibis, tomar refrigerante e jogar conversa fora, nada muito diferente de mim ou de você (bem, eu não matava aula com tanto rigor assim, mas você entendeu). Tudo corre muito bem, até que… bem, até que surge um buraco negro na barriga de Dev!
Avessa de se tornar uma história maluca de super-poderes e dilatações espaço-temporais (como Pipo gostaria), Achados e Perdidos é uma narrativa sensível e bem conduzida do drama de ser essas coisas que todo mundo é e não quer ser, sobre esqueletos escondidos no armário (ou debaixo da cama) e que podem acabar nos consumindo.
No fantástico do buraco negro na barriga de um adolescente cabem centenas de dúvidas, de confusões e medos que todo mundo que teve essa idade uma hora passou.E quem passou por essa idade também acaba passando – com ou sem buraco negro.
Fosse só a trama, Achados e Perdidos já valia a conferida – o problema é que os caras ainda vieram com um plus a mais (tanto que valeu um HQMix Especial): para cada um dos oito capítulos do álbum, há uma faixa composta por Ito especialmente para servir de pano de fundo para a leitura. Tudo lá no CD que acompanha a HQ. E, mais do que isso, até onde eu me lembro, Achados e Perdidos foi o primeiro projeto bacana que vi e que conseguiu ver a luz do dia inteiramente pelo Catarse.me, a plataforma de vaquinha virtual. Depois dele muita coisa se seguiu (O Beijo Adolescente parte II, do Rafael Coutinho; Ryotiras Omnibus, do Ricardo Tokumoto; Coletânia do Petisco – daqueles viados, bichas do Daniel Esteves, Cadu Simões, Will, Mario Cau e aquela corja – e outros projetos que passaram, eu não vi, e outros que ainda virão).
O que foi muito legal. Veja bem, se o Rafael Coutinho (por exemplo) já tinha como garantia da qualidade de seu trabalho os álbuns Cachalote e a primeira temporada de O beijo adolescente, Garrocho e Damasceno tinham a seu favor apenas um blog bem legal, mas com uma proposta bem diferente do álbum que queriam lançar. E deu certo assim mesmo.
Deu tão certo que o álbum está em sua segunda impressão, lançada pela editora Miguilim, e vai muito bem, obrigado, em termos de público e crítica.
Quer dizer, exceto se você for um crítico, digamos, oval. Mas aí ninguém vai se importar com a sua opinião jabazística mesmo…
Achados e Perdidos, de Eduardo Damasceno, Luís Felipe Garrocho (roteiro e arte) e Bruno Ito (trilha sonora). Editora Miguilim, 220 páginas, R$ 42,00.
Nota: 9