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Mitos Cinematográficos: Dança com Lobos Foi o Primeiro Faroeste a Defender o Índio

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Geralmente quando Dança Com Lobos é citado, ou até mesmo quando aparece na programação da TV dos jornais, costuma-se descrever o longa metragem de Kevin Costner como western pioneiro da defesa do índio. Eu mesmo cresci pensando isso. Mas a verdade não é bem essa…

Vale lembrar também que em 1948 John Ford já havia mostrado o ponto de vista do indio com o clássico Sangue De Herói com Henry Fonda e John Wayne, onde Fonda – mesmo usando outro nome, General Owen Thursday, – interpretava o General Custer e a trama mostrava o que realmente ocorreu na histórica batalha de Little Big Horn, aonde Thursday/Custer, numa interpretação profundamente ambigua de Henry Fonda, conduziu um grande número de soldados da Cavalaria para a morte certa numa luta insensata contra os homens do Chefe Apache Cochise por pura arrogância e preconceito com os indígenas.

De quebra Ford ainda mostrava como foi forjada a lenda do General Custer, que ironicamente se transformou num herói nacional para um “bem maior”… ou como John Wayne explica ao fim, ele virou a inspiração de cada membro da Cavalaria.

Essa produção já causou barulho na época, até porque Raoul Walsh já havia mostrado a versão da lenda em O Intrépido General Custer com Errol Flyn - o eterno Robin Hood – no papel-título. A Academia Militar de West Point também não gostou nada da visão realista dada a Custer e Ford mais tarde teve que fazer um filme sobre a Academia (estrelado justamente por Errol Flyn) como uma espécie de pedido de desculpas.

No entanto, por incrível que pareça, o que foi censurado em Sangue de Herói foi o romance dos personagens da Shirley Temple e do John Egar, embora por uma razão similar: o preconceito. Mas não contra nativos norte-americanos e sim contra imigrantes irlandeses. Mas isso já é uma outra história. Ford foi também acusado de legitimar uma mentira em favor dos Militares que prejudicava os Nativos, embora com o tempo e após várias revisões o teor crítico do longa-metragem terminou sobressaindo mais, ressaltando a ambiguidade da trama.

A primeira vez que o índio surgiu como herói escancaradamente no Cinema foi em 1950, com o filme Flechas de Fogo de Delmer Daves. Anteriormente, fora Sangue de Herói, houve ainda pequenas produções feitas que mostravam o lado deles também, mas Flechas de Fogo foi o primeiro western feito com grande orçamento (pra época) atores famosos, produção caprichada, sucesso de público, enfim, o primeiro longa metragem de primeira linha que dava um giro de 180 graus na relação Branco/Índio, sem tons de cinza.

Baseado no romance de Eliott Arnold Blood Brother, o filme conta a história real do Pony Express e do acordo feito com o líder indígena Cochise, vivido por Jeff Chandler, para evitar que os mensageiros que levavam a correspondência através do oeste fossem mortos. Tom Jeffords (James Stewart) é um ex-oficial que intermedia a relação com Cochise de quem se torna um grande amigo, passando a conhecer e se incorporar a sociedade indígena, inclusive se apaixonando e casando com uma nativa da aldeia, vivida por Debra Paget.

Apesar de Gerônimo (Jay Silverheels) também aparecer no filme vilanizado se opondo drasticamente ao tratado com os brancos, os grandes vilões são claramente os rancheiros locais, que causam um trágico final… beeeem forçado, mas trágico. Isso tudo em pleno 1950 teve um efeito bombástico. O roteirista Albert Maltz nem sequer assinou o roteiro vencedor do Oscar perseguido que era pelo Machartismo.

Agraciado com o prêmio de Ator Coadjuvante, Jeff Chandler reprisou o papel de Cochise em A Revolta dos Peles-Vermelhas, uma espécie de prequel de Flechas de Fogo, onde Jay Silverheels também voltava a interpretar Gerônimo. Dá pra notar que nessa época só atores brancos interpretavam papéis importantes de personagens indígenas, né?

Porém, daí foram surgindo cada vez mais filmes com visões mais humanistas do índio. Em 1960 a estrela Audrey Hepburn vivia uma índia criada por brancos (o inverso do que geralmente ocorria nos westerns) que enfrenta discriminação racial em O Passado Não Perdoa de John Huston. John Ford e James Stewart filmaram com Richard Windmark o longa Terra Bruta em 1961, que mostrava como os brancos eram tão selvagens quanto os índios. O mais inusitado é que nesse longa-metragem Woody Strode, um ator negro que sempre atuava nos westerns de Ford, faz papel de índio!

E o próprio Ford em 1965 dirigiu – novamente acompanhado por Windmark e Stewart – seu último western, Crepúsculo de uma Raça, como um mea culpa por segundo ele próprio, “ter matado mais índios que o General Custer”… e também pra levantar uma grana pra um grupo de nativos de uma reserva que eram amigos dele. Ainda assim, o cineasta admitiu a injustiça sofrida pela indígenas em uma famosa entrevista a Peter Bogdanovich:

“Vamos enfrentar a verdade, nós os tratamos muito mal. É uma mancha que carregamos. Trapaceamos, roubamos, matamos, assassinamos, massacramos, e tudo o mais, mas se eles matassem um homem branco, Deus, lá vinham as tropas.

A história de Crepúsculo de uma Raça acompanhava a épica marcha de um grupo de sobreviventes da Tribo Cheyenne, da reserva onde o governo dos EUA os abandonara até a terra de seus ancestrais. A grande sacada do diretor foi levantar o seguinte questionamento: se os EUA queriam anexar os territórios pertencentes aos índios e consequentemente sua população ao seu país, o que fariam agora que os índios também eram cidadãos norte-americanos?

Artur Penn fez Pequeno Grande Homem com Dustin Hoffman em 1970 contando vários eventos reais envolvendo a relação entre brancos e índios através da vida de um personagem fictício – idéia já usada antes em filmes como Coronel Blimp e posteriormente em Forrest Gump.

No mesmo ano Richard Harris faz um aristocrata inglês capturado por uma tribo Sioux que passa de escravo a guerreiro valoroso ao incorporar os costumes dos nativos e após enfrentar um doloroso ritualuma das cenas mais marcantes da história do Cinema, que você pode ver entre os videos abaixo. O papel foi tão marcante que Harris voltou a interpretá-lo duas continuações, A Vingança do Homem Chamado Cavalo. e O Triunfo do Homem Chamado Cavalo, formando uma trilogia.

Em 1973 Marlon Brando causou um grande burburinho quando foi agraciado com seu segundo Oscar de Melhor Ator por O Poderoso Chefão e mandou uma índia lá pra recusar o prêmio em protesto pelo tratamento dado aos nativos norte-americanos por Hollywood. Ou melhor… ele mandou uma atriz branca vestida de índia! Talvez tenha sido o ponto mais polêmico em toda a história do Oscar.

Em 1976 Enzo G. Castellari nos trouxe um western spaghetti épico que retratava um mestiço filho de um branco com uma índia como grande herói, nosso velho conhecido Keoma, com Franco Nero e Woody Strode. Dessa vez o índio não era Stroode e sim Nero, que era italiano! Bom, deixa isso pra lá. Houveram muitos outros filmes além desses, mas estes são os que eu me lembro.

Ou seja, quando Dança com Lobos foi lançado muita água tinha corrido debaixo dessa ponte. Muitos críticos apontaram que Kevin Costner se inspirou em muita coisa de Flechas de Fogo quando dirigiu e estrelou Dança com Lobos em 1990 – que é um filme melhor, mais bem produzido e mais bonito na minha opinião – algo que ele sempre negou.

Agora, veja bem. Dança com Lobos é a história de um oficial que se torna amigo de um Chefe Sioux passando a conhecer e incorporar os costumes indígenas, inclusive se apaixonando e casando com uma nativa da aldeia. E os vilões são os brancos. Qualquer semelhança com o filme do Delmer Daves é mera coincidência?

Ah, antes que eu me esqueça. Em 1993 Walter Hill dirigiu Gerônimo – Uma Lenda Americana, onde o grande Chefe indígena era interpretado por Wes Studi, ator norte-americano cherokee.

Sim! Finalmente chamaram um índio pra fazer papel de índio como protagonista numa super produção!



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