
Porque às vezes um relâmpago muda a vida de alguém completamente, mesmo sem lhe dar super-poderes...
Asterios Polyp é um renomado arquiteto... de papel. Isso quer dizer que, apesar dos vários trabalhos premiados, da cadeira na faculdade e da fama, nenhum de seus projetos alguma vez saiu do papel. Entretanto, ele está na pior quando um raio cai e coloca fogo em seu apartamento, com toda a sua vida dentro - tudo o que ele se preocupa e consegue salvar são um velho relógio de pulso, um isqueiro tipo zippo que foi de seu pai e um canivete suíço. Com todo seu passado destruído, Asterios parte para onde o dinheiro que tem no bolso pode lhe levar... e a trama começa.

Eu não sei porque, mas no exato momento em que foi lançado no Brasil, Asterios Polyp, o álbum, não me chamou atenção quase nenhuma. Veja bem, era um trabalho autoral de um artista fantástico, David Mazzucchelli (que dispensa apresentações. Mas se você não sabe quem é, ele foi quem ilustrou Batman: Ano Um), mas, sei lá, não me chamou atenção. Acho que foi culpa da capa, meio experimentalista, com aquele protagonista estranho, de uma cabeça simples e angulosa, estranhamente encaixada num corpo mais arredondado, quase orgânico.

Mas o FIQ me abriu os olhos. Vira e mexe alguém comentava o álbum, perguntava dele para outro alguém qualquer, queria discutir a história. Se não comprei lá mesmo, foi só em função do preço - o receio era quase vestigial e mais nada.

Passou o evento, a esperança venceu o medo e eu comprei o álbum. E entre o momento que coloquei as mãos no álbum no correio até o virar da última página não se passaram muitas horas. Sorte total ter sido num sábado, senão...
Asterios é um álbum denso. Esqueça Batman Ano Um, esqueça o Demolidor, nada aqui lembrará o Mazzucchelli que você está acostumado. Bem da verdade, nada no álbum lembrará algo com o qual você já esteja acostumado. Inclusive, Mazzucchelli usa a arte para comunicar como poucos - a imagem diz, sussurra, diferencia. É engraçado observar a diferença dos balões de cada personagem e das fontes que são usadas para cada um. Oras, quem discordaria que o jeito de falar também diz muito da pessoa que fala? Mazzucca (é meu chegado) leva isso às "vias de fato", e cada um de seus personagens terá uma voz diferente. E não, não pense que só um "mero detalhe" como este faz tanta diferença assim, as (outras) sutilezas no desenho de um ou de outro personagem também serão embasbacantes - desde que você tenha olhos para vê-las e entendê-las.

A jornada do personagem Asterios, destituído de tudo que um dia foi sua vida, sua identidade, é incrível. Um dos narradores, completamente inesperado (mas revelado logo de cara) traz uma tônica de leitura completamente nova - de quem mesmo é a história que estou lendo? Vou ver mesmo a vida de Asterios ou será de outra pessoa, de uma sombra que o acompanha? E isso, meu amigo, isso é foda pra cacete.

Confesso a vocês que não há muito que se possa dizer de Asterios Polyp além de que muito provavelmente é uma obra completamente diferente de tudo o que você já viu, e da maneira mais positiva e forte que puder. Ficar falando dela, da obra, seria como tentar descrever (guardadas as devidas proporções de forma) a Sistina de Michelangelo ou um grande clássico do cinema como Cidadão Kane. Você pode escolher uma linha geral e acompanhá-la para contar daquela experiência a alguém, mas fatalmente MUITA coisa ficará de fora, e quem ouvir o seu relato vai pensar que não se trata de nada demais. Nenhuma descrição será fiel a Asterios Polyp - descrever a forma deixará de lado o conteúdo, descrever o conteúdo deixará de lado a forma - e serão ambas as descrições criminosas. Isso porque a descrição, por exemplo, deixaria escapar os sonhos de Asterios que permeiam a trama - e que são tão carregados de conteúdo simbólico que parecem que foram de fato sonhados por alguém. Liber Paz, lá no Universo HQ, disse que nada em Asterios Polyp sobra. Eu não poderia concordar mais com ele: trata-se de um álbum como poucos que já tive o prazer de ler na vida (que droga!) onde tudo tem e está exatamente no seu preciso lugar, e o resultado é uma obra de arte linda. E que como toda obra de arte, precisa ser revisitada de tempos em tempos para, a cada nova leitura, ganharmos um pouquinho mais.

Antes de terminar esta resenha, não posso deixar de, mais uma vez, tirar o chapéu para a Companhia das Letras e seu selo Quadrinhos na Cia. O trabalho deles, não só de editoração e cuidado, mas de seleção de material, tem sido incrível. Rendam graças a São Kirby, Eisner e Harvey pelo mercado brasileiro ter se aquecido (e crescido) a ponto de permitir que uma editora assim tão séria e cuidadosa topasse trabalhar com HQ.
Asterios Polyp, "Asterios Polyp", de David Mazzucchelli. Quadrinhos na Cia., 344 páginas, R$63,00.
Nota: 10 (porque a nossa escala culmina em 10)

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