
Semana passada o roteirista de quadrinhos Bill Mantlo fez 60 anos. Mas infelizmente ele não pôde comemorar.

Bill Mantlo trabalhou durante anos como roteirista da Marvel Comics entre as décadas de 70 e 80, embora curiosamente tenha começado a trabalhar na Casa das Idéias como colorista em 1974. Teve uma fase memorável no Incrível Hulk e criou as histórias em quadrinhos de Rom e dos Micronautas, que originalmente eram uma linha de brinquedos.
Ali explorou toda sua criatividade ao criar o universo subatômico e toda uma mitologia para esses personagens a partir dos bonequinhos que seu filho ganhara no Natal de 1977. Aliás, também foi o autor das HQs dos Sectaurs, aquela linha de brinquedos/desenho animado dos guerreiros-inseto que passava no SBT nos anos 80. E ele era bom nisso mesmo, tanto que em 1979 seu trabalho com os Micronautas foi premiado com o Eagle Award.
Mas na verdade Bill Mantlo era pau-pra-toda-obra e com uma incrível habilidade de cumprir prazos apertados trabalhou em quase todos os personagens da editora nos anos 70 como o Homem-Aranha, Homem de Ferro, Demolidor, Thor, X-Men, Vingadores, Defensores, Campeões e até Howard, O Pato, entre outros, além de ter sido o criador da dupla Manto e Adaga.

De fato, Bill pretendia também usar o dinheiro ganho como escritor de HQ para pagar sua faculdade de direito na década de 80. E assim foi até que um dia ele se formou, passando a exercer o outro ofício e começando a atuar como Defensor Público em 1987. Mas ainda deu um jeito de continuar ligado aos quadrinhos, mesmo que esporadicamente, tendo colaborado nos roteiros da minissérie Invasão da DC em 1988.
Porém, o que se sempre vou me lembrar de Bill Mantlo são suas histórias do Incrível Hulk. Sempre achei o cara o MELHOR autor do Hulk de todos os tempos. Mesmo que muitos discordem eu preferia as histórias dele que as do Peter David, Greg Pak, John Byrne, Lein Wein, Bruce Jones ou qualquer outro.

Acredito que ninguém teve uma sensibilidade tão apurada quanto Bill para retratar o drama do homem que carregava um monstro dentro de si. Lembro de ficar meio chocado em como o Hulk e o Dr. Banner dos quadrinhos eram diferentes daqueles do seriado (acho que todo mundo passou por isso), mas eu conseguia reconhecê-lo quando lia as histórias de Mantlo.
A Fase do Hulk exilado na Encruzilhada pelo Dr. Estranho é memorável e copiada até hoje toda vez que alguém na Marvel quer fazer algo "diferente" com o personagem. Foi Bill ao lado do desenhista Sal Buscema quem estabeleceu definitivamente o Golias Esmeralda como um "Frankenstein" moderno e sua relação com Banner de "Médico e o Monstro", um ser maldito cuja tragédia sempre o seguia direta ou indiretamente, não importando que ele tivesse algo tão raro quanto um coração puro. Algo que Stan Lee e Jack Kirby já almejavam desde sua criação e que coube a Mantlo ratificar pra sempre. Ninguém antes (e acho que nem depois) explorou tanto a psicologia do personagem e nem o passado traumático de Banner.

A partir dali os leitores começaram a ter a dimensão de que o Hulk no fundo sempre existiu no bom doutor e a explosão da Bomba Gama apenas o trouxe pra fora, mostrando pro mundo o que havia de selvagem (e não maligno) dentro de si. Assim, o Hulk não era mais um grandalhão burro nascido do desejo de força bruta de um homenzinho. Era uma bomba de paixões, hormônios e frustrações da trajetória de um ser humano prestes a explodir. E isso fica mais claro conforme o Gigante Verde viaja através dos universos fantásticos saídos da mente do roteirista, não só na Saga da Encruzilhada, mas em toda a passagem de Bill pelo título, aonde sua imaginação usava aqueles mundos para espelhar o drama de uma criatura incompreendida.
Bill Mantlo foi único, pois percebeu duas coisas:
1 - Bruce Banner jamais se livrará do Hulk, algo que ainda dava margem a dúvidas em tramas anteriores.
2 - O Hulk jamais se livrará de Bruce Banner, algo que praticamente todo roteirista posterior se esforçou em fazer, sem sucesso.

Uma tragédia da vida real
Em 1992, Bill passeava de patins por uma rua próxima de sua casa quando foi atropelado por um carro que fugiu sem prestar socorro. Bill bateu a cabeça e sofreu um traumatismo craniano. Ficou semanas em coma e teve sequelas terríveis com um dano cerebral irreparável, necessitando de assistência médica constante. Seu irmão Michael assumiu sua tutela e desde então já fazem quase vinte anos que Bill vive no Centro de Reabilitação e Enfermagem Nassau no Queens, Nova York.
Em 2007 seu amigo David Yurkovitch lançou o livro Mantlo: a Life in Comics, cuja renda foi revertida ao irmão de Bill, para ajudar a arcar com os custos dos seus cuidados médicos. De acordo com o Comic Book Resources, o plano de saúde (que é uma vergonha nos EUA e em qualquer lugar do mundo) não custearia o tratamento que vai durar todo o resto da sua vida, fazendo com que Michael Mantlo tivesse que vender todos os bens do irmão, incluindo suas coleções de brinquedos, bonecos e gibis.
Em dezembro de 2007 a loja de quadrinhos Floating Comics Mundial de Portland, no estado do Oregon, vendeu artes do personagem Rom, numa campanha intitulada Spacenight: A Tribute to Bill Mantlo, cuja renda também é revertida para ajudar Bill. E em dezembro de 2010 a Floating Comics Mundial repetiu a campanha, então chamada Spacenight 2, vendendo novas artes do Rom.
Consta que o último recado deixado pelo artista foi em fevereiro de 1995 e dizia:
Meu nome é Bill Mantlo. Eu quero ir pra casa.

Bill é apelido de William, que significa Guilherme em inglês... Então, tudo que posso fazer é desejar ao meu xará um feliz aniversário um pouco atrasado, agradecer por todas as coisas maravilhosas que ele escreveu, desejar que as pessoas que podem fazê-lo continuem ajudando a sua família fincanceira e psicologicamente e orar por um milagre. O grande Will Eisner certa vez disse:
É difícil falar sobre milagres. Ou você acredita ou não. Eu acredito.
Mas, enquanto isso não acontece, eu quero acreditar que Bill conseguiu encontrar algum conforto em algum lugar dos universos fantásticos nascidos da sua prodigiosa imaginação, o único lugar aonde ele e todos nós podemos viajar praonde quisermos... e sonharmos...

/blogs/melhoresdomundo/2011/11/18/uma_pequena_homenagem_ao_grande_bill_man/
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